Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Jim & Andy (2017): O que está acontecendo, Jim Carrey?

O documentário que traz as filmagens de bastidores do filme "O Mundo de Andy", mostra-se brilhante como um estudo da personalidade de Jim Carrey e aprofunda a relação dele com sua interpretação de Andy Kaufman.

Se eu pudesse escolher, ele já teria começado e não terminaria nunca. Acho que essa é uma boa maneira de ver as coisas“. É assim que começa “Jim & Andy”, com a resposta do ator e comediante Jim Carrey (“Debi & Loyd 2”) à pergunta do diretor Chris Smith (“Collapse”) sobre como o filme deveria começar. Falando diretamente com a câmera e olhando dentro de nossos olhos, Carrey despe-se completamente de sua persona expansiva e se revela como a verdadeira pessoa que é no momento: um cara em conflito com a própria carreira e sucesso. Um ser humano que se enxerga como uma pequena engrenagem no universo, que se expressa quase que totalmente com frases enigmáticas e filosóficas, e que está absolutamente feliz com o seu “desaparecimento” na mídia em geral. E se, como ele mesmo diz no longa: “as escolhas nos escolhem”, é nessa “escolha” do ator em interpretar um de seus mestres, o também comediante Andy Kaufman (da série “Táxi”), que se materializa uma contribuição importantíssima para esta nova fase de sua vida.

Kaufman era um homem enigmático, quebrador de regras e um humorista à frente de seu tempo. Com piadas que visavam mais confundir o espectador do que propriamente diverti-lo, ele travava uma luta diária com a sua própria personalidade. O filme “O Mundo de Andy”, dirigido brilhantemente por Milos Forman, de clássicos como “Um Estranho no Ninho” e “O Povo Contra Larry Flint”, traz com muita competência e sentimento este retrato da curta carreira de Andy e a verdadeira montanha russa que era sua vida pessoal e artística, que se misturavam a ponto de sua namorada e família acharem que ele estava aprontando mais uma piada quando os informou que estava morrendo de câncer. Para viver este homem multifacetado em excesso, Carrey estudou seu ídolo de adolescência e simplesmente o “incorporou”. Percebendo que tinha uma joia bruta nas mãos, a Universal Pictures resolveu fazer um making of do longa e colocou uma equipe de filmagens para acompanhar essa encarnação de Andy no set. Porém, o resultado das sandices dessa “fusão” dos dois humoristas culminou em um material tão pernicioso, que o próprio estúdio mandou engavetar as fitas para proteger a imagem do astro Jim Carrey e então essas gravações permaneceram arquivadas no escritório do ator por quase vinte anos. É na colagem destas imagens esquecidas com cenas antigas de Andy Kaufman e Carrey em suas respectivas carreiras e no depoimento atual de Jim, que o documentário da Netflix se apoia para contar a sua interessante história.

Excepcionalmente editado, o título foge do comum quando resolve não só trazer à tona essas gravações de bastidores pura e simplesmente. A decisão de dar foco na persona do Carrey de hoje é muito importante para contextualizar o que acontecia naquele momento. Como um astro de primeira grandeza em 1998, quando o filme foi gravado, o ator já era um milionário que não precisava mais fazer testes para seus papeis e que já se repetia em comédias de humor físico. Ao corporificar Andy, o ator percebeu o quanto era infeliz em sua carreira e este foi o start para uma nova vida longe dos holofotes e das curiosas lentes dos paparazzos. Os paralelos traçados entre os dois artistas mostram que ambos sempre tiveram personalidades singulares e que suas preocupações com as opiniões alheias eram muito grandes. Em certo momento do longa, Carrey travestido de Tony Clifton, que por sua vez era um personagem e espécie de alter-ego de Kaufman, diz que Jim só quer ser adorado por todo mundo e que ele mesmo é seu pior inimigo.

Mesmo que as partes mais divertidas de “Jim & Andy” sejam aquelas que mostram um Jim Carrey totalmente fora de si, irritando o lutador Jerry Lawler a ponto deste lhe dar uma gravata que o machuca de verdade, fazendo com que o ícone Milos Forman o implore para que ele faça pelo menos uma cena do seu jeito, bebendo a ponto de feder e ter de ser carregado para o seu trailer, batendo o carro pelo set, invadindo o estúdio Amblin para se encontrar com Steven Spielberg e lhe dizer pessoalmente que ele precisa parar de se preocupar com o que os outros acham dele e voltar a fazer filmes como “Tubarão” e outras loucuras mais, o objetivo real do documentário é muito particular e genuíno. É uma espécie de veículo para o desabafo sincero de Carrey. Um estudo sobre alguém que já teve tudo na vida e conseguiu tudo que quis, e que mesmo assim permaneceu triste. Um homem que já viveu muitas vidas em muitos papéis e que, só agora, mostra-se ao mundo verdadeiramente ou, em suas próprias palavras: “Em dado momento, quando você cria uma personalidade para ter sucesso, ou você vai ter que deixar a criação de lado e arriscar ser amado ou odiado por ser que é, ou você vai ter que matar quem você é, e cair em sua cova se agarrando ao personagem que você nunca foi“. Isto é insanidade para você?!

Rogério Montanare
@rmontanare

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