Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 08 de novembro de 2017

Gosto se Discute (2017): Divertimento sem sabor

A ideia de um cozinheiro que perde o paladar não é exatamente nova. Não porque já tenha sido utilizada anteriormente, mas por conta das diversas situações análogas em que profissionais de uma área perdem um sentido (ou uma habilidade) considerado essencial para desempenhá-la. Mas o que falta ao filme é coragem de explorar melhor esse conceito e sair do superficial.

Em “Dirigindo no Escuro”, Woody Allen interpreta um diretor de cinema decadente que, ao conseguir uma oportunidade de reerguer a carreira, precisa disfarçar sua cegueira psicológica e grava um filme inteiro sem conseguir enxergar nada. Mais do que uma piada com a própria arte de se fazer cinema, o filme utiliza o enredo para criticar algumas posturas que grandes nomes do cinema tem, ao mesmo tempo que ironiza a forma como as pessoas enxergam a arte (com o perdão do trocadilho). “Gosto se Discute”, novo filme de André Pellenz (“Detetives do Prédio Azul: O Filme”), tem uma nítida relação com o longa de Woody Allen, porém passa longe de conseguir os mesmos méritos.

Na trama, Augusto (Cássio Gabus Mendes, “Orfeu“) é o chef de um renomado restaurante paulistano, mas que vem enfrentando dificuldades para se manter relevante. A situação se complica quando, Patrick (Gabriel Godoy, “Os 3“), ex-funcionário de Augusto, decide abrir um food truck na praça em frente ao estabelecimento. Com a queda do lucro do restaurante, o banco sócio de Augusto envia Cristina (Kéfera Buchmann, “É Fada“) para ser a nova gerente. Em meio a essa pressão de ter que criar um novo cardápio, Augusto passa a ter uma síndrome que faz com que vá perdendo o paladar.

De cara, uma situação problemática criada pelo roteiro são os excessivos plots que o filme cria. Diversos conflitos que o filme cria são ignorados e surgem repentinamente para logo depois serem deixados de lado novamente. Além disso há uma pressa no momento de solucioná-los. Sem saber direito quais são os conflitos, ou como eles surgiram, em determinados momentos as reações de Augusto parecem ser apenas exageros caricatos que começam ou terminam sem que se saiba exatamente qual a motivação. A isso soma-se uma provável falta de motivação de Cássio Mendes ao entregar seu personagem. É nítido a forma como o ator parece estar mais narrando um roteiro decorado do que atuando de fato. Na cena que ele é apresentado à Cristina, sua atuação beira ao patético.

A situação do enredo só não fica pior pela forma como o próprio filme não se leva a sério (é importante ressaltar que mesmo assim não utiliza o potencial do roteiro para ir além da camada superficial, como fez Woody Allen). Essa falta de seriedade fica evidenciada pelas consultas realizadas com o médico Romualdo (Paulo Miklos, “O Invasor“). Dessa forma, a resolução final torna-se totalmente aceitável. Um plano infantil, mas que o roteiro começa a construir desde o início do filme.

No caso da Kéfera há uma entrega consistente do papel, apesar de exageradamente caricata em algumas situações. O que pesa contra a atriz é falta de opções na expressividade facial. Seja nos momentos de tensão, drama, alegria, Kéfera consegue ir muito pouco além de uma simples levantada de sobrancelhas. Porém, é o roteiro que devidamente trai a sua personagem. Primeiro por colocá-la em um papel de protagonista que não lhe cabe e segundo pela forma como permite que uma mulher no nível de Cristina tenha como motivação um par romântico consideravelmente mais velho. Não apenas isso, mas essa construção improvável é mal elaborada.

Cabe ainda destaque aos coadjuvantes que entregam personagens muito bem estereotipados, como os garçons interpretados por Robson Nunes e Ronaldo Reis, cuja motivação para ir às mesas é ouvir as conversas dos clientes. Ou da equipe de cozinha do restaurante, com destaque para o cantor Zéu Britto, que entrega um baiano gago muito divertido.

De resto, falta ao filme a busca para ser algo a mais que uma comédia sessão da tarde. A montagem do filme se perde constantemente e não consegue dialogar com a trilha, muito menos ser ágil para acompanhar de forma clara a correria de uma cozinha.

Entre erros e acertos, “Gosto se Discute” não é um filme marcante. Desperdiça um ótimo potencial e se acomoda no discurso raso. Há méritos que merecem ser destacados, como a cena do mercado municipal (único momento que o filme sai do restaurante). Visualmente bonita ela é mais uma prova de como o filme poderia crescer se quisesse ir além. É frustrante ver o potencial dessa história ser desperdiçada.

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

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