Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 24 de outubro de 2017

Os Meyerowitz – Família Não Se Escolhe (2017): conjunto de lições enobrecedoras

Em termos de conteúdo, o filme é riquíssimo. Porém, revela-se narratologicamente problemático e com uma montagem muito mal feita.

Embora não tenha ganhado o prêmio mais importante do Festival de Cannes (Palme d’Or), “Os Meyerowitz – Família Não Se Escolhe” chegou às “telinhas” – já que se trata de um filme original Netflix – bem cotado somente pelo fato de tê-lo disputado.

No filme, Harold Meyerowitz (Dustin Hoffman, de “Trocando os Pés”) é um escultor aposentado cujo ego fica ainda mais inflado ao saber de uma futura exposição que celebrará seu trabalho. Durante os preparativos, porém, ele adoece, obrigando seus filhos Danny (Adam Sandler, de “Zerando a Vira”), Jean (Elizabeth Marvel, de “Um Laço de Amor”) e Matthew (Ben Stiller, de “Zoolander”) a se unir para cuidar dele, o que faz com que eles revivam traumas do passado.

Surpreendentemente, Adam Sandler está atuando bem. Apesar de ter alguns defensores, a carreira do comediante se resume a um único papel (em quase todos os filmes), em que ele interpreta a si mesmo. Aqui, por outro lado, vive uma personagem diferente das anteriores – e o mérito merece reconhecimento. Stiller é eficaz como de costume; Marvel tem a discrição que o papel exige. Hoffman é simplesmente uma lenda viva, mas subaproveitado, com pouco tempo em cena.

Direção e roteiro couberam a Noah Baumbach (“Enquanto Somos Jovens”) cuja especial proeza foi extrair o bom desempenho de Sandler. Fora isso, não há nada extraordinário em seu trabalho enquanto diretor. A montagem, ao contrário, é muito mal feita, constantemente abrupta (em especial entre o segundo e o terceiro capítulo), com elipses incômodas, de tão longas, deixando um vácuo, preenchido logicamente pelo espectador que, por outro lado, é facilmente tirado da diegese. Ainda mais grave, a pontuação é feita sem padrão, pois, mais ao final, fica esquecido o sistema de capítulos, usando fades para as elipses. Há que se elogiar a direção de arte, sábia, em especial, na utilização do figurino: Maureen (Emma Thompson, de “Walt nos Bastidores de Mary Poppins”), esposa de Harold, usa um vestuário meio hippie, sempre colorido, combinando com sua personalidade; Matthew se veste com cores que representam seu sucesso; Danny e Jean usam cores mais escuras, que indicam sua melancolia e apatia, respectivamente.

Certamente, o roteiro é o que o filme tem de melhor e de pior. O plot transita entre temáticas extremamente sérias e sempre incandescentes, como pedofilia, ou temáticas não tão discutidas, mas também sérias, como o tratamento frio de alguns hospitais em relação ao doente e sua família, até matérias mais banais, como o estresse no trânsito e o impudor das novas gerações em relação ao sexo. Isso sem contar questões que constituem (na obra) passagens lacônicas, como a luta contra o vício em álcool e o legado paterno.

Existem também lições densas, do tipo “a confiança é contagiosa” e a de que danos pretéritos não podem ser apagados por uma vingança. Baumbach utiliza-se inclusive de uma metonímia em Danny, que tem algum problema físico que o obriga a mancar, mas não aceita ir ao médico: trata-se da sua própria condição, ele mesmo tem problemas que negligencia. Também é fascinante a abordagem do relacionamento entre pais e filhos: há um pai cujo contato com o filho é meramente virtual, assim como um pai que não consegue ver a filha como adulta. A dualidade do valor patrimonial versus extrapatrimonial dos bens materiais também se faz presente, no clímax da película, que só não é mais emocionante em razão da limitação do elenco (não tão gabaritado nessa área).

É inegável, o roteiro é bem profícuo no conteúdo. Entretanto, é narratologicamente problemático, com incontáveis elipses (mal organizadas pelas montagem), ritmo inconstante e vagueza narrativa – sem contar o desfecho brusco. O primeiro capítulo, por exemplo, é totalmente sem foco narrativo, quase um convite ao abandono – depois, felizmente, o longa melhora.

Se não é o melhor drama cômico dos últimos tempos, a riqueza de conteúdo da película consegue motivar o espectador a refletir sobre diversas questões. É possível extrair um conjunto de lições enobrecedoras da produção, sugerindo que, provavelmente, seu objetivo foi cumprido.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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