Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 05 de setembro de 2017

Como Nossos Pais (2017): Uma emocionante história sobre autoconhecimento

Um drama que se foca na libertação de uma personagem presa ao seu próprio cotidiano e que mesmo não tendo o mais original dos enredos, é executado de forma suave e cativante. Um filme que procura responder o "como?" e não o "por que?"

Homem cobra, mulher polvo“. Este é o título de um livro, que apesar da qualidade duvidosa, levanta um debate que se faz necessário: por que é tão comum mulheres se dividirem entre tantas tarefas, enquanto nós homens ainda demonstramos certa resistência em fazer o mesmo?

Como Nossos Pais”, da diretora Laís Bodanzky (“As Melhores Coisas do Mundo”), acompanha o dia-à-dia de Rosa (Maria Ribeiro de “BR 716”), uma mulher que aos 38 anos sonha em ser dramaturga, mas está presa a um trabalho que não gosta. Durante um almoço em família, Rosa ouve de sua mãe, Clarice (Clarisse Abujamra de “Getúlio”), que Homero (Jorge Mautner de “Casa de Areia”) não é seu pai biológico. O título do filme, não apenas faz referência à música homônima de Belchior (e imortalizada na voz de Elis Regina), como é uma interpretação audiovisual da canção.

Rosa é um exemplo do cotidiano. A mulher que aos 38 anos soma diversas funções e abre mão dos próprios sonhos para poder oferecer uma vida melhor aos que estão à sua volta. E é assim que ela se vê desmotivada em seu próprio casamento com Dado (Paulo Vilhena de “O Amor no Divã”), um antropólogo que não percebe as necessidades da esposa, mas acredita que também abriu mão de muita coisa pela família e pelo emprego que possui. Em determinado momento, quando confrontado por Rosa, Dado fala que teve que, inclusive, abrir mão do futebol com os amigos, enquanto Rosa lembra que abriu mão do sonho de ser dramaturga.

Esses questionamentos sobre a família são constantes no filme. Um reflexo muito forte da sociedade brasileira, que mesmo em famílias que demonstram ser mais abertas às mudanças do século XXI, ainda são confusas e complicadas. O que é reforçado pela relação de Rosa com sua mãe, ao mesmo tempo que se refletem na relação com o amigo Pedro (Felipe Rocha de “Vai que Dá Certo 2”). Enquanto a primeira muitas vezes parece ser mais uma inimiga que um suporte, o segundo é a personificação do que ela deseja em sua vida. Pedro é o amigo sempre presente, que a entende e a incentiva a ser aquilo que ela mais deseja.

E diante de todos esses conflitos, a história de Rosa é revelada. O amor pela figura paterna que a criou. A curiosidade sobre o pai biológico. A frustração com o casamento. A sensação ambígua com a mãe. São camadas que Laís Bodanzky nos apresenta, e aos poucos elas se somam tornando a obra cada vez mais completa. E a diretora não tem pressa em apresentar a narrativa. A câmera constantemente foge dos personagens. Nos conduz por salas ou quartos vazios. O público escuta os diálogos que acontecem no cômodo ao lado. E é como um voyeur que conhecemos os detalhes que constroem a Rosa.

Bodanzky também evita, de modo geral, o movimento de câmera. E substitui isso pelo uso da lente. Na maioria das cenas, toda a ação acontece num plano fechado, com os atores e objetos posicionados em diferentes locais. A diretora decide passear com o foco pela cena, ora mostrando uma panela no fogão, ora mostrando a mesa onde a família vai almoçar. Assim é possível mostrar várias histórias que acontecem ao mesmo tempo, mudando apenas o ponto a ser observado. É uma forma muito simples de tratar cada momento da vida dos personagens como fosse uma fotografia, ao mesmo tempo que reforça a relação entre Rosa e Nora, protagonista da peça “A Casa de Boneca”, do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen.

Ao longo do filme a diretora usa a peça para motivar o próprio desenvolvimento de Rosa. Ambas se dão conta que, apesar dos confortos da vida, falta algo para que elas possam viver plenamente felizes. Nora decide largar tudo e ser feliz. Rosa usa esse pretexto para escrever sua própria peça, ao mesmo tempo que quer ter a vida que Nora teve após o término da peça. E percebe isso a cada desgosto que a vida oferece, seja no casamento, seja com o “novo” ou simplesmente por ser mulher e se ver presa numa sociedade que insiste em se manter patriarcal.

E é na sutileza que a diretora conquista o público. Na ambiguidade da Rosa, que não se importa de saber que sua meia-irmã tem uma namorada, mas não quer as duas juntas em casa. Mesmo que o motivo não seja o preconceito sugerido, é um momento que justamente a mulher que busca sua própria liberdade é vista como antiquada. A mesma mulher que ao ver o amigo tirar a camisa na rua por causa do calor, tem a mesma atitude por saber que simplesmente pode fazer isso. E justamente que a diretora parece ter perdido a mão e mostrado demais, o público é pego de surpresa.

Existem alguns momentos que os diálogos parecem se perder, seja na escolha das palavras, seja no contexto. Isso pode tirar o público de dentro da trama, pela falta de veracidade demonstrada. Mas que felizmente é um problema pontual, o que nos permite questionar se é algo do próprio roteiro, ou a forma utilizada pelos atores. O único personagem que se mantém bem, mesmo nesses momentos é o pai de Rosa, Homero, principalmente pela natureza artística que ele carrega.

“Como Nossos Pais” é um filme que se foca no desenvolvimento de Rosa. Busca acompanhar sua autodescoberta e o caminho que ela traça para se sentir livre. Um drama familiar, sobre como somos os reflexos de nossos próprios pais, ao mesmo tempo que buscamos traçar caminhos diferentes. E mesmo utilizando uma narrativa através do ponto de vista feminino, é libertadora para qualquer um que assista.

ps. a música que dá nome ao filme é tocada em determinado momento, e da mesma forma como todo o resto, vem aos poucos, numa montagem que ao ser compreendida é bonita, triste e tocante. Mais um ponto para a diretora.

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

Compartilhe