Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 22 de junho de 2017

Paris Pode Esperar (2017): Mais do que um delicioso road movie

Aos 81 anos, Eleanor Coppola estreia na direção com uma história simples, mas que tem muito mais a dizer do que pode aparentar à primeira vista

Nenhum assunto é ruim se a história é verdadeira, se a prosa é clara e honesta, e se reforça coragem e graça sob pressão“.

A frase de Ernest Hemingway ao Gil Pender de Owen Wilson em “Meia-Noite em Paris” (2011), obra-prima de Woody Allen, é universal e pode ser interpretada para os mais diversos propósitos. Em seu sentido estritamente literal, no entanto, a citação é basicamente perfeita para se entender e contextualizar este “Paris Pode Esperar“, primeiro longa de ficção de Eleanor Coppola, documentarista norte-americana de 81 anos, casada com Francis Ford e mãe da também cineasta Sofia (além de tia de Nicolas Cage, por que não?).

“Paris Pode Esperar” muito provavelmente não será o melhor filme que você verá no ano, mas o sentimento por trás da história despretensiosa que nos é apresentada é verdadeiro, vindo de uma senhora que respira cinema e dedicou sua vida inteira à Sétima Arte. O fato de Coppola ter colocado seu coração cinéfilo de maneira tão honesta e íntima à disposição dos espectadores, per si, já contribui bastante para que nos identifiquemos com seus personagens e o desenrolar da trama, que, embora simples, pode conter os pensamentos e emoções mais profundas de um ser humano. E é isso que Eleanor, responsável tanto pelo roteiro, quanto pela direção, quer compartilhar conosco.

Aqui, Diane Lane (“Sob o Sol de Toscana“) interpreta Anne, uma mulher de meia-idade casada há bastante tempo com um produtor de cinema bem-sucedido, Michael (Alec Baldwin, “Os Infiltrados”). Em viagem à França, ela se vê em uma situação peculiar quando “tem” de ir de Cannes à Paris com o sócio do marido, Jacques (Arnaud Viard, de “Carole Matthieu”), um típico francês pedante e romântico que conhece todos os charmes e encantos do percurso. “Paris Pode Esperar”, um belo roteiro pelo interior da França, casamento em uma fase complicada, boa companhia… não preciso reforçar muito por qual caminho a história seguirá, não é? Como o próprio título do longa sugere, na maior parte das vezes, “a jornada é mais importante que o destino” (pra quem começou o texto citando Hemingway e “Meia-Noite em Paris”, faço um mea culpa por essa).

Embora a literalidade do título seja obviamente condizente com o que acompanhamos em tela, a beleza reside muito mais no que está por trás dele, em suas subcamadas, do que exatamente na descrição do enredo. Podemos interpretar, por exemplo, que o conceito de Paris como o destino final ideal e da viagem/percurso até lá como processo de libertação individual, realizações e paz de espírito são ideias que habitam não só os pensamentos de Coppola, mas da própria personagem de Diane Lane (alter ego da cineasta, provavelmente). Além disso, por já se encontrar em uma fase da vida após a criação da sua filha – recém-saída do high school -, onde tudo a sua volta (casamento, família, amigos, dinheiro etc) parece estável o suficiente para que não lhe dê motivo para reclamar, Anne sê vê em um momento de profundos questionamentos existenciais. “Até que ponto vale ficar ‘amarrada’ com esse cara que se preocupa muito mais com o sucesso profissional do que com sua família, e me privar de aproveitar as diversões e prazeres efêmeros que me são oferecidos?”, parece ser o questionamento central realizado constantemente pela protagonista no decorrer dos cerca de 90 minutos de projeção.

Neste sentido, é interessante notar como a todo instante estamos tendo nossas expectativas colocadas à prova, tanto pelo texto e direção de Coppola, quanto pelas ótimas atuações de Lane e Viard. Somos sempre induzidos a desconfiar da índole e das reais intenções de Jacques, se ele está se afeiçoando de verdade por sua parceira de viagem, ou quer simplesmente se aproveitar da mulher e de sua condição financeira – o que nos leva a um questionamento honesto sobre se há algum ruído na sua relação com seu sócio, Michael. Afinal, ele pede o(s) cartão(ões) de crédito de Anne emprestado(s) algumas vezes para pagar os finos lugares que frequentam entre um condado e outro durante o trajeto, e em determinada cena até parece abandoná-la em um posto de gasolina, apenas para depois reaparecer com o carro entupido de buquês de flores.

A brincadeira de Coppola é extremamente bem-sucedida porque nos coloca na mesma posição da personagem principal ao longo de todo o filme. Assim como ela, ficamos confusos com os propósitos do suposto canastrão, mas ao mesmo tempo encantados com seu charme, o que confere à história um interessante tom extra no tocante ao “romance proibido” do improvável casal. Conduzindo a narrativa de maneira segura e fazendo uso de recursos simples de roteiro, a estreante na direção demonstra toda sua maturidade cinematográfica acumulada ao longo de décadas envolvida (direta ou indiretamente) no ramo.

Poderia encerrar dizendo que este é apenas um delicioso road movie romântico pelo interior da França, mas acredito ser mais do que isso. Se Gil Pender buscava se encontrar artisticamente em meio aos seus sentimentos naturalmente nostálgicos em uma encantadora Paris dos anos 1920, aqui, Anne quer somente experimentar e viver o percurso, pouco importando o destino final.

Que bom termos sido convidados a embarcar juntos com ela nessa viagem.

Arthur Grieser
@arthurgrieserl

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