Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 13 de junho de 2017

Neve Negra (2017): thriller desinteressante evidencia força internacional de Ricardo Darín

Astro argentino sustenta basicamente sozinho um drama/suspense que não trabalha por suas soluções, e que jamais teria metade do alcance obtido mundo afora se não fosse por seu nome nos créditos.

Ricardo Darín é uma das maiores “bolas de segurança” do cinema mundial. Quando seu nome aparece creditado no projeto, pouco importa quem são seus companheiros de elenco, o diretor, o roteirista ou a equipe técnica envolvida. “É o filme do Darín“, diz-se. Na maioria dos casos, a expectativa se confirma, mas quando não, a consolação segue o mesmo padrão: “pelo menos tem o Darín“. Neste sentido, a projeção internacional deste “Neve Negra” comprova toda a força mundo afora do astro argentino, que sustenta praticamente sozinho um drama/thriller/suspense no máximo mediano, e que jamais alcançaria metade do sucesso obtido se não fosse por sua participação.

Escrito e dirigido por Martin Hodara, que reedita parceria – inclusive na direção – com Darín após seu primeiro trabalho em “O Sinal” (2007), o longa acompanha o casal Marcos (Leonardo Sbaraglia) e Laura (Laia Costa), que retorna da Europa à Patagônia argentina para discutir com os familiares do primeiro uma milionária proposta canadense pelos terrenos herdados na região. Um traumático acontecimento de infância envolvendo Marcos e seus irmãos e irmã, Salvador (Darín), Juan (Iván Luengo) e Sabrina (Dolores Fonzi), no entanto, colocará mais obstáculos no caminho da negociação do que se poderia supor à princípio, reavivando fantasmas do passado e disputas entre os envolvidos.

Em que pese a tentativa dos realizadores em criar uma atmosfera de tensão constante ao longo dos cerca de 90 minutos de duração, o fato é que o filme se revela muito mais como um drama familiar do que como um thriller de mistério ou algo do tipo. A fotografia utiliza a imensidão branca da neve sempre de modo a realçar a melancolia do local e das pessoas que lá habitam, quase como em proposital contraposição com o obscurantismo presente na história pregressa daqueles personagens, e brincando com a evidente antítese verificada no título.  Embora óbvia e denotando uma certa falta de inventividade, a escolha da abordagem estética se mostra eficaz e provavelmente o ponto alto da obra. Méritos para Hodara, que entrelaça passado e presente fazendo uso de uma câmara que parece romper com as barreiras temporais e amarras narrativas. Aqui, não há “flashbacks” ou “agoras”: embora em termos denotativos haja essa distinção, tudo aparenta estar acontecendo em uma única linha de tempo que exerce igual influência sobre os indivíduos.

Quando busca se aventurar na área do suspense, entretanto, o resultado beira o pífio. Sim, porque o ‘lance’ da história é revelado logo na primeira cena do filme, tornando o grande propósito a ser desenvolvido pelo desenrolar da trama apenas uma questão de “comos” e “porquês”. Por definição, o suspense nada mais é do que a criação de expectativas. Quando você não trabalha para criar no espectador esse sentimento de ansiedade e curiosidade sobre o que está por vir, a consequência é inócua. Em nenhum momento, o roteiro – também de responsabilidade de Hodara – nos faz querer saber exatamente o que está por trás daquele “climão” esquisito. Até onde nos é apresentado, trata-se apenas de um acontecimento traumático de infância, que, repito, é mostrado logo nos primeiros segundos de projeção.

E isso nos basta – ou parece bastar. Não há incitação de expectativas, instigação de perguntas, estranhamentos, peças faltando no quebra-cabeça: o cineasta argentino não põe o público para ‘rachar a cuca’ e trabalhar pela trama. Assim, isso resulta em cenas extremamente forçadas criadas unicamente para gerar um tensão superficial, como o atolamento de um carro na neve no meio da noite e coisas do gênero. Algo completamente desconexo com a história e constrangedor para qualquer thriller que se preze.

Dessa forma, quando nos é revelado “the man behind the curtain” (o homem por trás da cortina), a mágica (ou falta de) simplesmente não acontece. A sensação que fica é que jamais poderíamos tê-la sentido ou adivinhado, uma vez que não fomos convidados a embarcar nessa aventura. Trocando em miúdos, o que se tem é um roteiro que não planta bem o que colhe e dá aula de como não usar o recurso de pista-recompensa, desperdiçando o que poderia se mostrar como um ótimo plot twist final.

Claro, “pelo menos tem o Darín”. Se ainda somos capazes de buscar identificação com os acontecimentos da trama ou mesmo algum personagem, isso se deve principalmente a mais uma atuação impecável do gigante artista argentino. Dono de uma composição em um tom mais ‘dark’ do que estamos acostumados a vê-lo, ele consegue imprimir multidimensionalidade a um Salvador visivelmente atormentado e amargurado por seu passado, isso sem precisar apelar para maneirismos ou excesso de “caras e bocas”. O grande ator é aquele que consegue transmitir para o espectador tudo o que ele precisa saber e sentir sobre o seu personagem sem necessariamente ter que pronunciar uma palavra sequer, e nisso Ricardo Darín é mestre e entrega como poucos.

Talvez, se pensado somente como um produto lançado para projeção internacional, isso seja o suficiente. Para uma obra de arte capaz de se destacar e sair do lugar-comum, no entanto, ainda faltou muita coisa.

Arthur Grieser
@arthurgrieserl

Compartilhe