Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 08 de junho de 2017

A Múmia (2017): o pífio início do Universo Sombrio

Apresentado como o longa que inicia a nova franquia de monstros da Universal, o filme não cumpre com eficiência nada a que se propõe, colocando até mesmo o astro Tom Cruise em maus lençóis.

Com o sucesso das grandes franquias cinematográficas, todos os estúdios de cinema correram para montar os seus próprios universos. A Disney com os heróis da Marvel, a Warner com os heróis de DC e com os monstros gigantes da Legendary, a Sony com “Homem-Aranha”, a Fox e os mutantes de “X-Men” etc. Faltava um grande universo compartilhado para a Universal Pictures, o que a fez resgatar personagens clássicos antiquíssimos, escalando atores de primeiro escalão e os reunindo, quase à força, nessa tarefa ambígua que pode resultar em mais uma grande cinessérie de êxito ou em um enorme elefante branco recheado de estrelas. Se o que vier a seguir for algo na linha deste “A Múmia”, que é o primeiro título do tal “Universo Sombrio“, podemos nos preparar para um sofrível e lento desfile paquidérmico.

É sempre bom ver Tom Cruise (“No Limite do Amanhã”) correndo e fazendo suas acrobacias sem dublês, certo? Assim como também é um prazer vê-lo interpretando com o coração quando é necessário, tornando inesquecíveis e emocionantes seus trabalhos em “Magnólia” e em “Nascido em Quatro de Julho”. Porém, dá pra afirmar com convicção que o papel de “canalha sedutor espertalhão e piadista” pode não ser bem a praia de nosso herói hollywoodiano. E não é! Totalmente fora de sua zona de conforto, Cruise interpreta – muito mal, por mais que isso me doa ao dizer! – um militar que usurpa antiguidades no Iraque juntamente com seu colega/alívio cômico Chris Vail (Jake Johnson, de “Jurassic World”). Depois de roubar um mapa da arqueóloga Jenny Halsey (Annabelle Wallis, de “Rei Arthur: A Lenda da Espada”), eles partem na caça ao tesouro e deparam-se com uma tumba antiga que contém o sarcófago da antiga princesa egípcia Ahmanet (Sofia Boutella, de “Star Trek: Sem Fronteiras”). Ao tentar levar a esquife para Londres, o avião em que eles viajam sofre um “acidente” e a múmia da princesa resolve apavorar a vida de todos.

O roteiro, escrito por vários nomes, sendo que um deles o próprio diretor Alex Kurtzman (diretor de “Bem Vindo à Vida” e roteirista de “Missão: Impossível 3”) resulta em uma bagunça tremenda. A introdução, com a história da princesa, já nasce incoerente a partir do momento em que nunca fica claro o motivo para que ela precise apelar à uma divindade maléfica, no intuito de tornar-se rainha. Assim como também é discrepante a personalidade mutante do personagem de Cruise na trama. Ele tanto pode ser um cafajeste a ponto de dormir com uma garota e roubá-la na manhã seguinte, como pode ser um grande herói e salvar esta mesma garota, colocando a vida dela à frente da sua. Como essas alterações não são nada sutis ou orgânicas, torna-se difícil acreditar nas motivações e nas resoluções do protagonista. Outro problema grave é a introdução forçada do “Universo Sombrio” no segundo ato do longa. Soa como se o filme fosse pausado e de repente uma outra história começasse a ser contada. A partir do personagem de Russel Crowe, o Dr. Henry Jekyll, fazendo essa ponte muito mal, somos apresentados abruptamente ao novo, e aparentemente sem sentido, mundo dos monstros da Universal. Não que a integração de um filme a um universo seja necessariamente uma coisa ruim, o problema aqui é isso ser feito de maneira tão forçada e anti-climática, a ponto desse trecho, caso retirado, não fazer falta alguma à trama.

Se Cruise não acha seu tom, o resto do elenco padece de deficiências ainda maiores. Crowe resulta patético em sua versão de “Médico e Monstro”, assim como Annabelle Wallis, entrega uma “mocinha” bem à moda antiga: bonita, permanentemente bem maquiada e sempre disposta a ser salva por algum homem de plantão. O design da Múmia em si é tão parecido com sua encarnação passada, a Anck Su Namun (Patricia Velasquez) do filme de 1999, que até parece ter sido readaptado de lá. Aparenta ser um mix entre as múmias do passado e desse reboot, aproveitando a semelhança entre atrizes para o visual e o modus operandi do monstro Imhotep (Arnold Vosloo), que suga a vida de suas vítimas e se refaz fisicamente aos poucos.

Dono de algumas boas cenas de ação – como a do avião em gravidade zero -, recheado de sustos previsíveis e expressões de espanto pra lá de bizarras de Tom Cruise, assim como a inesperada falta de timing cômico do astro, o novo “A Múmia” falha demais. Ele não diverte, não assusta, não inicia bem um novo arco de filmes e, para piorar, não supera em qualidade nenhuma das diversas adaptações anteriores dessa mesma história. Cabe à Universal entender o que errou e melhorar (muito) em seus próximos filmes baseados nos monstros clássicos, ou corre-se o risco de esta ser uma franquia que já nasce literalmente mumificada.

Rogério Montanare
@rmontanare

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