Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 10 de abril de 2017

O Espaço entre Nós (2017): subtramas genéricas sabotam sci-fi com potencial

Se saindo melhor como ficção científica do que como romance, ou mesmo do que como um drama familiar, “O Espaço entre Nós” representa alguns filmes dentro de um só; uns muito melhores do que os outros.

Enviar humanos para Marte parece ser o próximo “grande passo” da humanidade em termos de exploração espacial. O conhecimento avança, a tecnologia rompe barreiras e já se fala que na década de 2030 teremos conseguido deixar a nossa impressão digital no mundo vizinho. Tendo isso como perspectiva não tão distante, é natural que a cultura incorpore esse provável feito e o represente das mais variadas formas; no audiovisual, que é basicamente o que nos interessa, não são poucas as obras que saíram nos últimos tempos (e ainda vão sair) e abordaram a temática: “Marte” (2016, série do NatGeo), “Geração Marte” (documentário da Netflix com estréia marcada para maio), “Perdido em Marte” (2015, de Ridley Scott e protagonizado por Matt Damon), etc. O Planeta Vermelho, portanto, é atualmente uma espécie de obsessão coletiva para os que curtem o tema.

Como toda boa história de ficção, principalmente as científicas, começa com a divagação “e se…”, este “O Espaço entre Nós” é competente ao estabelecer uma reflexão que, particularmente, eu ainda não tinha visto ser discutida de modo mais direto. “E se” enviássemos humanos à Marte, como seria essa missão e o cotidiano dessas pessoas por lá? Como as diferenças de gravidade, pressão, temperatura e composição atmosférica influenciariam nossos corpos? Mais, se um humano de fato nascer em Marte, após uma gestão inteira fora da Terra, como se dará o seu desenvolvimento enquanto ser? Essas e outras são algumas das questões abordadas na obra e que lhe dão sustentação. Pena que, a partir de determinado estágio, a boa proposta dê lugar a um romance teen forçado e outros conflitos mal desenvolvidos, muito embora tudo isso seja fruto de uma concepção inicial interessante e com potencial.

O longa acompanha a vida marciana de Gardner Elliot (Asa Butterfield), o primeiro ser humano nascido em Marte, após sua mãe embarcar na missão de colonizar o planeta sem saber que estava grávida e falecer lhe dando à luz. Passando a maior parte de seus dias dentro de uma ‘bolha’ e rodeado de cientistas, ele desenvolve uma relação do tipo mãe-filho com Kendra (Carla Gugino), sendo monitorado à distância por Nathaniel Shepherd (Gary Oldman), dono da East Texas, corporação que idealizou a campanha – uma espécie de Elon Musk da vida rea… fictícia -, e pessoa que impediu o recém-nascido de voltar para a Terra, tendo em vista questões de adaptação corporal às condições terrestres. Estabelecendo uma relação (bastante) à distância com a jovem terráquea Tulsa (Britt Robertson) e cada vez mais sufocado diante de seu isolamento cotidiano, Gardner consegue convencer Kendra da sua necessidade em conhecer o mundo que lhe deu origem, e acaba recebendo sinal verde de Shepherd para que a viagem experimental aconteça.

A sua chegada à Terra é onde se concentram os melhores momentos do filme, ou quando em algum instante posterior se faz referência ao seu estranhamento com o descobrimento do novo mundo. A primeira coisa que o menino Elliot diz ao desembarcar da nave é que está se sentindo muito pesado, em referência aos efeitos da gravidade sobre seu corpo ainda não acostumado com a nova e mais aguda densidade. Neste sentido, Asa Butterfield possui o porte físico perfeito para o papel: é magricela, esguio e, com seu andar “carregado”, consegue transmitir para o espectador todo o efeito que o planeta recém-descoberto exerce sobre si. Além disso, o diretor Peter Chelsom é hábil ao, contrastando com as cenas iniciais em Marte, compor planos abertos onde se realce a pluralidade da vida na Terra, com seus oceanos, florestas, fauna diversa, sons, cheiros e cores, o que evidentemente também impressiona Elliot.

O diferencial da obra, no entanto, para por aí. Depois de um primeiro ato instigante e um início de segundo promissor, o que se tem em seguida é uma sucessão de ritmos e tons distintos um do outro, escancarando que a equipe de roteiristas composta por Allan Loeb, Stewart Schill e Richard Barton Lewis não tinha muita noção de onde queriam chegar e que mensagem intendiam passar. A partir de dado momento, o romance adolescente entre Gardner e Tulsa toma conta da tela de maneira desproporcional, sobrepujando a boa ficção científica que inicialmente foi proposta. Como conceito, isso não é necessariamente algo ruim, uma vez que mudar o estilo e o gênero cinematográfico de seu produto denota, no mínimo, coragem e confiança por parte dos realizadores, mas quando essa transição não é construída com cuidado, a frustração é inevitável.

Além disso, a suspensão de descrença por parte do espectador tem que ser elevada a um grau muito acima do que, no princípio, se mostrava necessário. Atenção, spoilers um pouco mais significativos da trama na sequência – se preferir não lê-los, pule para o próximo parágrafo. Um garoto criado em Marte conhece uma terráquea via bate-papo na internet, chega na Terra, foge com a moça, se isola nas montanhas e desenvolve um romance com ela, tudo isso debaixo do nariz da Nasa, que os procura incansavelmente sob o risco de tornar público segredos ultraconfidenciais. Ué, como assim? Difícil de engolir, especialmente com a abordagem cética, pé no chão e, até certo ponto, fria que nos foi apresentada no início.

Isso para não mencionar as outras subtramas em excesso, que, embora algumas delas sejam justas e condizentes com a busca do garoto por identidade em seu planeta-mãe, são conduzidas de maneira atropelada e sem o envolvimento necessário para provocar o efeito esperado. Neste sentido, quando algumas situações são reveladas, o impacto é diminuto e a surpresa pensada pelo trio de roteiristas chega ao ponto de até não parecer fazer tanto sentido assim, tamanha falta de construção dramática. Nesse meio tempo, o que sobra de aproveitável são alguns diálogos pontuais que fazem a ponte com as reflexões propostas na concepção da história – destaque para a conversa entre Gardner e Tulsa na estrada, sobre sentimentos, barreiras sociais e manutenção de aparências.

Se saindo melhor como ficção científica do que como romance, ou mesmo do que como um drama familiar, “O Espaço entre Nós” representa alguns filmes dentro de um só. No fundo, há um drama futurista sobre a vida de um garoto que foi forçado a crescer longe de seu planeta e do convívio social padrão. Em camadas mais superficiais, no entanto, o que se tem são histórias bobas, genéricas e mal desenvolvidas, que por diversas vezes roubam o espaço da essência que lhes deu origem.

Arthur Grieser
@arthurgrieserl

Compartilhe