Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 13 de março de 2017

A Bela e A Fera (2017): o live-action sem animação

A recriação em live-action da animação clássica não convence como filme e padece do grande mal que é a falta de criatividade na adaptação para uma nova mídia.

A Bela e a Fera“, a clássica animação da Disney de 1991, é um dos filmes mais adorados e até idolatrados por várias gerações. A fábula popular que nos ensina que o amor não tem rosto, foi muito bem adaptada pelo estúdio na época e o longa chegou até mesmo a concorrer ao Oscar de melhor filme daquele ano. Nada mais justo então, que fosse recontada essa história, exatamente no momento em que assistimos ao sucesso das recriações dessas animações, agora realizadas com atores de carne e osso. Porém, será que era necessário repetir com tanta exatidão a história que já havíamos assistido lá nos anos 90?

A trama é exatamente a mesma da animação: Bela é uma jovem moradora de uma pequena cidade que a rejeita por sua inteligência e paixão por outros mundos. Quando seu pai se perde em uma floresta e adentra em um castelo mágico, acaba tornando-se o prisioneiro de uma besta. Bela então, vai em seu resgate e troca de lugar com ele, transformando-se ela na prisioneira no castelo e de uma Fera horrível, que na verdade trata-se de um lindo e mimado príncipe amaldiçoado, que precisa aprender que a aparência não é essencial para que o amor exista. Existem pequenas mudanças no roteiro, como um descartável prólogo mais extenso do príncipe e algumas frases e referências atualizadas aqui e ali – como a do “Romeu e Julieta” -, mas estas mostram-se muito pouco eficientes em refrescar a história requentada. Até mesmo as músicas e coreografias são quase que totalmente reaproveitadas.

A tão alardeada Bela de Emma Watson (a Hermione da saga “Harry Potter”), atriz engajada na defesa dos direitos das mulheres, é uma personagem submissa, fraca e sua interpretação vai no mesmo caminho, deixando muito a desejar. Talvez por ter atuado praticamente o filme todo em fundo verde e personagens criados em computação gráfica, a atriz criou um falso e incômodo olhar de perplexidade que permeia todo o seu tempo de tela. A situação não melhora muito quando ela, evidentemente, dubla – mal – as canções que lhe cabem. Quem se sai muito melhor em matéria de interpretação é a dupla Luke Evans (“A Garota no Trem”) e Josh Gad (“Quatro Vidas de um Cachorro”), com seus divertidos Gaston e Le Fou. Evans empresta um charme bruto ao personagem garanhão e mau caráter, mas é Gad quem rouba a cena com aquele que é o primeiro personagem gay da Disney. Apesar de estereotipado, o ator consegue dar graça e carisma a um papel que era extremamente secundário na animação, tornando-o, de longe, a melhor coisa do filme.

Em contraparte, a direção de Bill Condon (“A Saga Crepúsculo: Amanhecer – Parte 2”) é simplesmente terrível. Sua obsessão por filmar a ação muito de perto, transforma a experiência de assistir ao seu filme em algo muito parecido com tortura, afinal, você não consegue entender quase nada do que está acontecendo na tela. A repetição de tomadas clássicas de musicais demonstra perfeitamente que a criatividade passa muito longe do seu trabalho. A obviedade da direção dele é tão evidente, que é possível saber muito antes de acontecer, quando, como e para onde a câmera vai se mexer.

Absolutamente imperdoável é a falta de atenção aos efeitos especiais. É inconcebível que a mesma Disney, que fez história com os efeitos digitais oscarizados de “Mogli”, tenha produzido algo tão pobre e sem carisma como o que vemos aqui. Todos os personagens digitais, com exceção do relógio talvez, são extremamente mal construídos e visualmente desinteressantes. Principalmente a Fera, que aparentemente foi criada à semelhança de sua contraparte na animação, e que desastrosamente perdeu toda a sua ferocidade. Qual é o sentido de se criar um personagem que necessita ser bestial, como um grande ursinho fofo de pelúcia?! Mas este não é o ápice da falta de qualidade dos efeitos, porque este prêmio fica para a péssima criação digital de cenários extremamente irreais e, principalmente, as inserções mal feitas da atriz nesses ambientes. Até mesmo a emblemática e tão esperada cena do baile, fica enfadonha e muito, mas muito aquém da original.

A Bela e a Fera” é um filme que não funciona como adaptação e muito menos se sustenta como uma obra única. A falta de coragem para explorar novas nuances e pontos de vista, em contrapartida ao ótimo “Malévola”, ou mesmo na inexistência de apuro visual, diferente de “Mogli”, colocam o longa em um patamar muito mais próximo de uma outra (in)adaptação da casa do Mickey, o insosso e esquecível “Cinderela” de 2015.

Rogério Montanare
@rmontanare

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