Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

A Espera (2015): arte para ser sentida

Em razão de um roteiro cuja narrativa é pouco dinâmica, é imprescindível que o espectador entre em sintonia com a direção minimalista e o ritmo lento.

Cinema é arte, nem sempre arte de boa qualidade, mas sempre arte (salvo quando há ofensa ao admirador, como quando há manifestação preconceituosa). Algumas manifestações artísticas têm um nó a ser desatado, outras são um nó a ser admirado. Vale dizer, a arte pode consistir em um exercício evolutivo (uma narrativa literária, por exemplo) ou em uma contemplação imediata (uma pintura, uma escultura etc.). No caso do cinema, há filmes que colocam destaque na história a ser contada, isto é, na narrativa que se desenvolve, outros preferem uma atmosfera mais estática. Em ambos, o objetivo é fazer o público sentir algo. “A Espera” não é exceção, todavia, não é fácil afirmar o sentimento que ele gera.

O longa acompanha Anna (Juliette Binoche, de “Ninguém Deseja a Noite“) e Jeanne (Lou de Laâge, “Respire”), respectivamente, mãe e namorada de Giuseppe, que passam alguns dias na mesma casa, na Sicília. O que Jeanne não sabe é que Giuseppe faleceu e que Anna se aproveita disso para conhecê-la melhor, escondendo a morte do filho. Assim, a narrativa pouco evolui, apenas retratando o convívio das duas e as tratativas de Anna para esconder de Jeanne que “a espera” é por alguém que não vai aparecer.

Sem uma estrutura clara de três atos, a produção ítalo-francesa tem um bom e promissor argumento, mal aproveitado em razão do vazio narrativo. Não que não aconteça nada, mas os eventos são escassos e de impacto diminuto – o que gera quase um espaço em branco durante os cem minutos. Na prática, muitos poderão considerar a película tediosa se não entrarem no ritmo geral do longa. É onde entra o trabalho do diretor Piero Messina (assistente de direção de Paolo Sorrentino em “A Grande Beleza”), que precisa contagiar o público com seu ritmo minimalista.

A linda fotografia é resultado dos cenários naturais da Sicília, vistos com pouca luz (inclusive aproveitando a luz natural) em planos voltados à contemplação da natureza – incluindo a aridez do local. O que se vê são imagens de uma estrada pouco movimentada, um bosque, um lago, em síntese, paisagens bucólicas. Tudo é muito bem planejado em enquadramentos cirúrgicos, como aquele em que o empregado é centralizado horizontalmente enquanto fecha a cortina. O enquadramento centralizado se repete, simbolismo que indica imparcialidade (do filme, não necessariamente do espectador) quanto às personagens: o sofrimento implosivo de Anna não prevalece sobre a ingenuidade angustiante de Jeanne, tampouco o contrário ocorre. Logo, o público pode julgar a conduta de uma ou de outra brecha dada pela fita.

Contribui para o minimalismo o fato de o filme ter pouquíssimos sons. Exceto por uma música instrumental mais agitada nos minutos finais, quando cresce – o desfecho é sugestivo e ambíguo –, são ouvidas apenas duas músicas intradiegéticas, preponderando um silêncio assustador (rompido pelo barulho da pipoca, nunca antes tão audível). Também é compatível a caracterização das personagens, que usam roupas discretas e até mesmo atuam sem exageros. No caso de Binoche (em mais um excelente trabalho), sua forma física esbelta corrobora com o envelhecimento precoce da personagem, diversamente de Laâge (uma cópia mal feita de Teresa Palmer, pois a francesa sabe atuar), que exibe seu corpo em vários momentos. A química flui com naturalidade; quando elas interagem, parece uma conversa espontânea e não um texto decorado.

O calcanhar de Aquiles do longa reside no roteiro: com uma narrativa lenta e silenciosa, somente quem se conecta com a técnica de Messina na direção consegue aproveitar o que o filme oferece. Nesse caso, momentos questionáveis (em especial relacionado a dois amigos que surgem do nada e um empregado sem propósito no contexto) são interpretados como parte da experiência (e não como sequências inverossímeis ou despropositadas). É necessário, porém, estar disposto a sentir a arte de “A Espera”. Trata-se de um filme de momento, não para ser levado nem lembrado.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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