Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Max Steel (2016): crianças também merecem bons filmes

O filme se reduz a duas virtudes: um bom elenco de apoio (Andy Garcia e Maria Bello), ainda que mal utilizado, além de um CGI razoável. No mais, a produção é fadada a ser um fracasso cinematográfico.

Se a Marvel e a DC podem expandir seu universo para o cinema, por que a Mattel não poderia? A fórmula é simples. Primeiro, contratando um roteirista (Christopher Yost) com alguma experiência com heróis (“Thor: o Mundo Sombrio” e também “Thor: Ragnarok”, nos quais não trabalhou sozinho). A base da história pode ser a do “Homem-Aranha”; os poderes do protagonista devem ser os do “Superman”, ainda que atenuados. Como o público atenta mais para o elenco do que para a direção, o diretor pode ser um inexperiente (Stewart Hendler, em seu segundo longa), auxiliado por nomes como Maria Bello (“Marcas da Violência“) e Andy Garcia (“O Poderoso Chefão 3”) no elenco. Para o papel do protagonista, um Robert Pattison genérico que esteja em forma para tirar a camisa algumas vezes. Nem precisa ser talentoso. Pronto, “Max Steel” tem seu caminho traçado.

Traçado, é claro, para um fracasso. O enredo unidimensional tem como protagonista Max McGrath (Ben Winchell, de “A Última Aventura de Robin Hood”), adolescente comum insatisfeito com as constantes mudanças de lar por decisão da sua mãe, Molly (Maria Bello). Órfão de pai, Max vê sua vida mudar completamente quando descobre ter poderes, aprendendo a usá-los com a ajuda do alienígena Steel (voz de Josh Brener, do seriado “Vale do Silício“). Como isso continua não é difícil adivinhar.

Qual a utilidade da “energia líquida” que emanam das mãos de Max? Por que ele é sempre tão bondoso e pacífico (até mesmo sua insatisfação pela oitava – ou nona – mudança de casa é branda!)? Ainda mais grave, há no longa flashbacks que o protagonista vê de momentos de que não participou – e argumentar que Steel repassa as memórias é inócuo, pois este não tem domínio das recordações (parece sofrer de amnésia), além de não estar presente em todas as cenas em que Max vê os flashbacks (sem contar que isso não é explicado em momento algum). Em contrapartida, a defesa do filme é que seu público-alvo é infantil, o que justifica um enredo tão simples e clichê – sem olvidar o confronto final, mais que previsível. Nesse caso, seria em vão apontar os paradoxos e as incoerências da fita?

Não, nada justifica um filme mal feito, sequer um orçamento reduzido, já que existem bons filmes de baixo orçamento, como o recente “Antes da Meia-Noite”, que custou apenas três milhões de dólares, enquanto “Max Steel” custou quarenta milhões. Da mesma forma, a tese de que o público-alvo é infantil é insuficiente na medida em que isso não significa obstrução para criar um produto ao menos original. Não se trata de exigir um roteiro rebuscado e profundo com atuações primorosas. O fato de o espectador padrão ser menor de doze anos de idade não afasta a necessidade de qualidade na sétima arte. Cinema não deixa de ser cinema em razão do público-alvo.

Ao invés da mãe preocupada (o que até Clark Kent tem), por que não uma mãe desleixada? Maria Bello daria conta de um papel melhor. O mesmo talvez não se possa afirmar de Ana Villafañe, estreante em longas, atuando como Sofia, interesse amoroso de Max cujo potencial o plot foi incapaz de mostrar. A originalidade é ausente também quanto à figura paterna, um déjà vu dos mais recentes filmes-solo do Homem-Aranha (um pai cientista cujo sigiloso – principalmente para o filho – trabalho é o nexo em relação à empreitada que o herói enfrenta com as habilidades que tem). O cabeça-de-teia foi inspiração também para a trilha sonora, bastante similar (evidentemente, em termos de qualidade, o abismo é inegável). Maniqueísta, o roteiro faz dos ultralinks (seja lá o que forem) os vilões sem muita explicação: só se sabe que são inimigos muito perigosos que manipulam a natureza.

O grande nome do elenco é Andy Garcia, provavelmente na pior fase da carreira (vide a participação em “Passageiros” – se é que se pode chamar aquilo de participação). Vinte e seis anos após o auge (“O Poderoso Chefão 3”), Garcia assume um papel tão previsível que apenas um pedido de uma criança próxima (um neto, por exemplo) justificaria o contrato. Ao menos o ator não passa a mesma vergonha de Josh Brener, que dubla Steel, um alienígena cuja tarefa, em teoria, é proteger e ajudar Max – na prática, é ensaiar um stand up. Com coerência, ele falha na tarefa tanto na teoria quanto na prática. Contudo, sua verborragia é compatível com a proposta.

Surpreendentemente, o CGI do filme é razoável. Nada impressionante, mas profissional. Outra surpresa é um leve plot twist no terceiro ato, que mostra algum esforço (ainda que ineficaz) de causar emoções no espectador com mais de sete anos de idade. O problema é que aguentar uma hora para chegar no plot twist, além da meia hora que falta, é um sofrimento cruel para pessoas com um mínimo senso crítico. Se a ideia de transpor o boneco sucesso de vendas para as telonas parece ruim, a realidade é ainda pior. Afinal, as crianças também merecem bons filmes.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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