Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 27 de dezembro de 2016

O Nascimento de uma Nação (2016): melhor ator, não mais que isso

Ignorando as polêmicas de bastidores, Nate Parker é fenomenal como ator, mas apenas razoável como roteirista e burocrático como diretor. Pelo tema tratado, porém, o filme é de importância acachapante.

As polêmicas fora de cena envolvendo a equipe de “O Nascimento de uma Nação” são irrelevantes para uma análise cinematográfica, embora não seja exagerado concluir que a sua provável ausência no Oscar 2017 seja consequência direta do que houve fora (e bem antes) da tela. De todo modo, será que o filme tem potencial para ser o preferido da Academia?

O grande nome da fita é Nate Parker, que participa da obra como diretor, roteirista e ator (protagonista, evidentemente). Na trama, ele é Nat, um escravo da plantação de Samuel Turner (Armie Hammer), um dono que aparentemente não é racista. Tendo aprendido a ler na infância, interessou-se pela Bíblia e passou a pregar para escravos, inclusive de outros donos – enriquecendo Turner. Com o tempo, Nat percebe os abusos perpetrados pelos brancos em detrimento dos negros, questionando até mesmo o tratamento de Samuel, revoltando-se e arquitetando uma rebelião.

Como ator, Parker é fenomenal: uma interpretação visceral (que justificaria uma indicação a melhor ator) que ofusca o resto do elenco – que também não tem muito espaço, é verdade –, digna de um drama arrebatador como o filme pretende ser. Armie Hammer tem participação comedida e Jackie Earle Haley é um vilão protocolar, também com pouco tempo em cena. Aja Naomi King – a Michaela, de “How to get away with murder” – é uma das raras exceções, conseguindo ter alguns momentos de brilho.

Como roteirista, Nate Parker é razoável, precisando melhorar muito no desenvolvimento das personagens, cujas personalidades são unidimensionais. Mesmo a narrativa não é sólida, dedicando-se demais a um romance genérico. No conteúdo, o plot é elaborado a partir de dois pilares. O primeiro e mais óbvio é o racismo, nuclear na trama – inclusive no título, idêntico ao clássico de 1925 de D. W. Griffith, com ideologia diametralmente oposta –, abordado como fio condutor da narrativa e verticalizado pela direção em cenas chocantes. O segundo pilar consiste na visão instrumental da religiosidade: ora como forma de opressão (Sam é elogiado por ter escravos obedientes), ora como fonte de lucro (Sam associa automaticamente a presença do reverendo em suas terras a algum gasto), ou mesmo como fundamento para a conduta humana (dos brancos e também dos negros). O texto não olvida ainda o questionamento da fé, em razão de eventos trágicos, tampouco o conteúdo da divindade em que Nat crê (um deus de amor, mas também de ira, segundo ele). Porém, o racismo é central na película.

Como diretor, Parker é burocrático. Exceto por um crucifixo em uma das cenas, são poucos os simbolismos visuais. Há um bom uso da trilha sonora, em especial os ritmos africanos, em cenas visualmente bem feitas, nada muito diferente, todavia, do que já foi feito antes – o mesmo se aplica à fotografia. A fugaz cena em que Nat vê uma criança escrava sendo carregada por uma coleira por uma criança branca funciona como mudança paradigmática para a personagem, em seguida da qual se segue uma avalanche de tragédias, em cenas de causar perplexidade. A quantidade de sangue deixaria Tarantino orgulhoso, contudo, os golpes são atenuados por enquadramentos que os evitam. Necessário frisar: algumas cenas fazem de “12 Anos de Escravidão” um desenho animado voltado ao público infantil, logo, o filme não serve para pessoas que sentem desconforto com muita violência. Por fim, o trato da narrativa acelera desmedidamente no terceiro ato e, salvo duas elipses sensacionais, há clara dificuldade em lidar com o tempo da obra.

Respondendo à pergunta feita no início, dificilmente “O Nascimento de uma Nação” será lembrado no Oscar 2017 – exceto na categoria de melhor ator. Entretanto, é um filme necessário por razões histórico-culturais: a lei pode ter defenestrado a escravidão e o racismo, mas isso não significa que não existem mais, mesmo que de maneira enrustida. Assim, por tratar do tema que trata, o longa tem importância acachapante.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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