Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Sete Homens e Um Destino (2016): remake traz conflitos atuais para o velho oeste

Trazendo uma pincelada de comentário social atual ao velho oeste, o longa reúne o diretor Antoine Fuqua e o astro Denzel Washington em um competente e divertido filme de gênero.

Podemos considerar que este novo “Sete Homens e Um Destino” é uma história de gerações, iniciada por Akira Kurosawa com “Os Sete Samurais” (1954) e transplantada para o velho oeste por John Sturges no primeiro “Sete Homens e um Destino” (1960), no qual o cenário do Japão Feudal e a figura dos ronins e samurais deram lugar ao velho oeste e aos cowboys e caçadores de recompensas, equivalentes gringos aos ícones nipônicos tão bem apresentados por Kurosawa na obra original.

Agora, é a vez do diretor Antoine Fuqua reutilizar o plot estabelecido por seus predecessores, contando com os roteiristas Nic Pizzolatto (criador da série de TV “True Detective”) e Richard Wenk (com quem o diretor trabalhou em “O Protetor”) para dar sua versão da história dos sete anti-heróis contratados para proteger uma cidadezinha aterrorizada por bandidos.

Apesar de não remover a trama do velho oeste, há um tom progressista no longa, não só com o caráter multiétnico do novo septeto, mas também na ameaça. Sai o banditismo retratado nos filmes de Kurosawa e Sturges e entra a ameaça insidiosa do capitalismo selvagem e desregulado, na figura do Batholomew Bogue de Peter Sarsgaard, inescrupuloso homem de negócios que deseja tomar as terras dos moradores de uma cidade para prospecção.

Bogue não se importa em massacrar todo homem, mulher e criança do lugar para alcançar seus objetivos, tendo não apenas o poder de fogo para fazê-lo, mas a certeza da impunidade, por manipular a polícia (representada pela ridícula figura do xerife) e a lei com seu dinheiro, restando para a população – representada pela valente e bela Emma Cullen (Haley Bennett, muito bem no papel de donzela nada indefesa) – buscar pistoleiros valentes que os defendam.

Existe, então, um componente político muito forte neste remake, no qual um grupo de “foras-da-lei” liderado por um negro (o único com real autoridade dos sete) tem de defender os desvalidos de uma força que os oprime com o “aval” dos poderes legalmente constituídos. Certamente, esse comentário social extremamente atual foi o que atraiu Denzel Washington para o projeto.

Pizzolatto e Wenk não se preocuparam em criar tipos muito profundos, preferindo investir em quase caricaturas, algo apropriado não apenas para o gênero, mas também para o grande número de personagens. A multiplicidade étnica do septeto principal, ao contrário do que ocorre em “Django Livre”, não tem muito peso no roteiro, funcionando não só graças àquela suspensão de descrença que fez dos westerns italianos tão “norte-americanos”, mas por conta da competência e da boa química entre os atores.

Washington empresta sua respeitabilidade e imponência habituais para o líder Chisolm, sem dúvida a alma do filme, mostrando-se o líder natural do heterogêneo grupo. Chris Pratt usa seu carisma para criar o adorável trapaceiro Faradey. Ethan Hawke se diverte criando o cajun Robicheaux e ganha um pouco mais de destaque tanto por conta do arco (mal desenvolvido) de seu personagem, quanto por sua dobradinha com Byong-hun Lee, que nos traz o lutador Billy Rocks.

Manuel Garcia-Rulfo defende seu Vasquez dando uma dose de perigo ao bandido, Martin Sensmeier encarna o silencioso guerreiro nativo-americano Colheita Vermelha de forma mais discreta e, fechando o grupo, Vincent D’Onofrio chega com o corpanzil do Rei do Crime e um sotaque peculiar para encarnar o nada sutil (e meio louco) rastreador Jack Horne.

Por falar em falta de sutileza, o já citado Peter Sarsgaard faz do seu Batholomew Bogue um vilão que faria os antagonistas das animações clássicas da Disney corarem. Abraçando com gosto e propositadamente a caricatura, Sarsgaard transforma Bogue em um ser unidimensional facilmente odiável, um empresário arrogante, corrupto e, por baixo de toda a sua bravata e devoção ao vil metal, covarde.

O primeiro ato, com a apresentação do vilão e a reunião dos heróis certamente é o mais forte da projeção, não só por reunir os momentos mais divertidos do filme, mas porque Fuqua usa toda a consagrada gramática cinematográfica dos faroestes clássicos para criar belas tomadas e quadros magníficos.

Após o primeiro (e ótimo) embate entre os Sete e os homens de Bogue, o filme cai, tanto por conta de um deslocado arco envolvendo o personagem de Hawke, tanto por conta da batalha final entre o exército do empresário e os Sete. Tal qual como Kurosawa fez, Fuqua dedica o terceiro ato quase que apenas para o conflito, mas não consegue equilibrar bem o peso da batalha e o desenvolvimento dos personagens, tornando a setpiece por demais arrastada, embora ela tenha uma conclusão eficiente.

Este novo “Sete Homens e Um Destino” pode não ter o pedigree de “Os Sete Samurais” ou o peso clássico do seu homônimo, mas é um western digno do seu título, mostrando-se um filme de gênero competente e divertido.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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