Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 08 de agosto de 2016

Esquadrão Suicida (2016): um filme morto por seu estúdio

Jamais fazendo jus à sua estrondosa campanha publicitária, este terceiro filme do Universo Expandido DC fracassa em quase todos os sentidos.

Criado por John Ostrander nos anos 1980 para a DC Comics, o Esquadrão Suicida mostrava as ações de uma equipe de supervilões reunidas pelo governo americano para executar missões de alto risco em troca de reduções em suas penas. Eram histórias cheias de traição, intriga, algum humor, charme e muito perigo.

Quando David Ayer (do ótimo “Corações de Ferro”) foi escolhido para escrever e dirigir a versão para o cinema do “Esquadrão Suicida”, os fãs comemoraram, por conta da experiência do cineasta com histórias protagonizados por personagens de moral dúbia. Infelizmente, um perigo a ser enfrentado aleijou o projeto: os engravatados da Warner, que transformaram a produção em um verdadeiro caos – algo que se reflete na tela.

O longa é terceiro filme do assim chamado Universo Expandido DC (UEDC), sucedendo “Homem de Aço” e “Batman Vs. Superman – A Origem da Justiça”, lidando com as ramificações da “morte” do Último Filho de Krypton. Assim como nos quadrinhos, a pragmática e fria agente governamental Amanda Waller (Viola Davis) cria uma força-tarefa formada por criminosos para lidar com situações de extremo risco para a nação em um mundo pós-Superman, onde novos meta-humanos estão aparecendo a todo momento.

A equipe é formada pelo mercenário Pistoleiro (Will Smith), o ladrão Capitão Bumerangue (Jai Courtney) o deformado Crocodilo (Adewale Akinnuoye-Agbaj), o pirocinético El Diablo (Jay Hernandez), a psicótica Arlequina (Margot Robbie) e a Dra. June Moon (Cara Delevingne), uma arqueóloga possuída pelo espírito da bruxa Magia. Supervisionando em campo esse bando de loucos estão o Coronel Rick Flag (Joel Kinnaman) e a vigilante Katana (Karen Fukuhara).

Eles são acionados quando uma ameaça de natureza mágica ataca a cidade de Midway City, transformando os habitantes locais em monstros uniformes sem vontade (e sem face ou sangue, para que a censura do filme não ficasse pesada demais para os métodos do Esquadrão). Além disso, o Coringa (Jared Leto) descobre o paradeiro da Arlequina e parte para resgatar sua “amada”.

O que ocorre aqui é que a produção, feita por comitê, passou por diversas refilmagens a poucos meses da estreia, após os resultados (financeiros) relativamente desapontadores de “Batman Vs. Superman – A Origem da Justiça” e o êxito (comercial) de “Deadpool”. Tentou-se então enxertar um clima mais bem humorado à produção, resultando em dois filmes brigando dentro de um só

Por um lado, há uma natureza pop/pseudocômica (claramente inspirada por “Guardiões da Galáxia” e pelo já citado “Deadpool”), querendo preencher a tela com grafismos estilosos e músicas conhecidas. Do outro, temos a trama “política” típica das histórias originais do grupo e o próprio clima excessivamente sério e quase opressor que Zack Snyder deu a esse universo nos dois filmes anteriores do UEDC. O resultado dessa bagunça é um desastre mal montado e sem identidade, que combina o pior dos dois mundos, em uma trama sem sentido povoada por personagens de motivações confusas, ralas ou, no caso dos antagonistas, inexistentes.

Os destaques do elenco são Will Smith, Viola Davis e um surpreendente Jay Hernandez. Smith, apesar de fazer o seu feijão com arroz, o faz com competência, e dá uma injeção de carisma ao seu Pistoleiro que ajuda o filme a ficar assistível. Davis encarna sua persona de “How To Get Away With Murder” que, felizmente, cai como uma luva para Amanda Waller e quase consegue suplantar alguns diálogos pavorosos que lhe são dados. Jay Hernandez dá sorte de ser o único ator cujo personagem possui um arco definido, embora seja atraiçoado por uma virada de roteiro totalmente sem sentido no terceiro ato.

Quanto ao restante, Jai Courtney confunde tiques com carisma e a única cena memorável de seu Capitão Bumerangue (que é um membro clássico da equipe nos quadrinhos, diga-se) só é digna de nota pela participação-relâmpago de outro personagem da DC ligado ao vilão. Adewale Akinnuoye-Agbaj, o eterno Mr. Eko de “Lost” é pessimamente aproveitado por baixo dos quilos de maquiagem do seu Crocodilo.

Karen Fukuhara é tão desnecessária ao elenco quanto Katana é para o filme. Cara Delevingne dança (sim, dança) o mico do século com sua Magia, Joel Kinnaman passa em branca nuvens até uma cena constrangedora no final e quanto menos falarmos do Amarra de Adam Beach, melhor.

O retrato do filme para o “casal” Arlequina e Coringa dado por Margot Robbie e Jared Leto merece uma discussão a parte. Apesar de usar referências visuais de histórias clássicas dos quadrinhos (“Coringa” de Brian Azzarello/Lee Bermejo, por exemplo) e de pôsteres de Alex Ross, o roteiro de David Ayer simplesmente não entende os personagens.

Margot Robbie faz o que pode com sua Arlequina e encontra a entonação e fisicalidade perfeitas para o papel, mas apesar da tentativa de retratá-la como a imprevisível, independente e empoderada rainha do crime de Gotham, a cada dois minutos o roteiro nos lembra de sua subserviência ao Coringa e idealiza tanto o abuso que a moça sofre que mais parecia que Ayer estava escrevendo “Cinquenta Tons de Joker”. Sem contar que sua sexualidade nunca é usada para fortalecer a personagem ou mesmo de maneira orgânica dentro da narrativa, mas como mero colírio para o filme.

O Coringa, em sua pior versão cinematográfica até o momento, surge excessivamente afetado e bizarramente romantizado, mostrando que os realizadores simplesmente não entenderam o vilão ou seu relacionamento tóxico com Arlequina. A composição de Jared Leto também não ajuda, tentando em vão remeter ao inesquecível Heath Ledger e falhando feio na comparação (infelizmente inevitável).

Usar o Coringa aqui foi queimar uma carta sem motivo em um jogo já complicado, pois a trama, em momento algum, pede a presença do Príncipe Palhaço do Crime. Para completar, pelo segundo filme seguido, a DC/Warner descaracteriza o Batman de Ben Affleck, desta vez colocando-o em uma cena que contraria a própria motivação de existir do personagem.

A montagem (que passou por bem mais gente do que pelo creditado John Gilroy) comete erros primários ao repetir informações em cenas mal executadas (reparem a cena do jantar e a do Pentágono no primeiro ato, passagens redundantes que deveriam ter sido combinadas), com algumas sequências tão deslocadas que mais parecem curtas-metragens costurados dentro de uma obra sem sentido (vide a chegada de Katana). O resultado é uma projeção truncada e um filme que parece muito mais longo do que é.

As músicas famosas, que deveriam ajudar a uniformizar o tom da produção, acabam por deixa-lo mais esquizofrênico, com as excessivas canções surgindo quase que aleatoriamente e em uma mixagem horrorosa, que abafa até mesmo os diálogos. A fotografia sombria de “Batman Vs. Superman” permanece aqui, com uma tentativa falha de “alivia-la” jogando cores por cima através de grafismos, que mais poluem a tela do que qualquer outra coisa.

Sequer criando uma mísera cena de ação que não seja pateticamente genérica, a única coisa pela qual “Esquadrão Suicida” será lembrado é pela oportunidade que perdeu ao desperdiçar tantos bons personagens em um roteiro tolo. Como filme, é uma ótima lista do Spotify.

P.s.: Há uma cena pós-créditos que tenta indicar um confronto futuro entre a Liga da Justiça e o Esquadrão Suicida na telona. Depois desse filme, isso mais parece uma ameaça do que qualquer outra coisa…

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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