Apelando para a nostalgia do público, está continuação está repleta de fan-service voltado para os fãs da franquia, mas se perde em uma produção que peca pelo excesso michealbayiano...
Meu filme favorito da franquia “Tartarugas Ninja” não é nenhum daqueles lançados nos cinemas, mas um longa animado para TV chamado “Turtles Forever”, que era uma celebração de todas as encarnações que os heróis de casca tiveram desde sua criação, desde as mais brutais até aquelas mais infantis.
[CRÍTICA] As Tartarugas Ninja (2014): um reboot genérico e sem alma
Essa atual versão cinematográfica dos irmãos verdes, que chega ao seu segundo capítulo com este “As Tartarugas Ninja – Fora das Sombras” é definitivamente superior ao longa anterior, mas está longe de agradar, justamente por atirar para todos os lados, talvez tentando agradar fãs de todas as gerações.
A dupla Josh Appelbaum e André Nemec, roteiristas da fita passada, voltam para esta continuação, desta vez dirigida por David Green, do delicado “Terra Para Echo”. Na trama, as Tartarugas voltam a enfrentar o Destruidor (Brian Tee), que fugiu da prisão ao se aliar com o cientista louco Baxter Stockman (Tyler Perry) e com o alienígena Krang (Brad Garrett) que, juntos, transformam os bandidos de meia-tigela Bebop (Gary Anthony Williams) e Rocksteady (Stephen Farrelly) em animais mutantes.
Para deter a nova ameaça, os discípulos do Mestre Splinter voltam a contar com a ajuda da repórter April O’Neil (Megan Fox), do atrapalhado – e agora rico e famoso – Vernom Fenwick (Will Arnett), agora reforçados pelo esquentado agente penitenciário Casey Jones (Stephen Amell). Além das novas ameaças, as Tartarugas ainda lidam com o desejo latente de viverem uma vida normal fora do esgoto, algo que atormenta especialmente o divertido Michelângelo (Noel Fisher).
O primeiro problema do longa é o excesso de plots. Só com os vilões, temos a volta do Destruidor, Baxter Stockman, a origem da dupla Bebop e Rocksteady (através de uma ciência doida que não faz sentido nem dentro do universo do filme) e Krang, que se torna o “chefão final” mesmo tendo apenas cinco minutos de cena, em um twist sem nexo. Bebop e Rocksteady ao menos funcionam de maneira nostálgica ao agirem como os bobos do desenho clássico, Tyler Perry se mostra histriônico como nunca e Brian Tee se resume a fazer cara de mau.
Embora a nova armadura do Destruidor faça mais sentido que o cruzamento de Tramontina com Transformers do longa anterior, é frustrante que o vilão não tenha uma luta ou sequer um diálogo com as Tartarugas. E se acima eu chamei Krang de “chefão final” é porque é exatamente isso que ele é, um chefão tirado dos games, incluindo múltiplos modos e armas. Não há desenvolvimento e o chicletão alienígena mal fala ou interage com os heróis – ou com qualquer um.
Além disso, dentro dos humanos, o arco de Casey é idêntico ao de April no filme anterior, profissional bonitão, encontra as Tartarugas, não é levado a sério pelos chefes e no final ajuda a salvar o dia. O roteiro, inclusive, só lembra que April é repórter literalmente no fim da projeção e a moça não tem muito a fazer aqui, com Megan Fox aparecendo na tela apenas para seduzir e servir de escada para os outros humanos.
Stephen Amell e Megan Fox aliás estão… bonitos. É o que dá pra dizer de melhor deles, sem contar que esse “excesso de beleza” acaba prejudicando a caracterização de Casey Jones, que só usa sua icônica máscara em uma cena. Will Arnett é o melhor ator humano do elenco, mesmo claramente de má vontade, e Laura Linney está no elenco pagando o aluguel como a chefe de polícia.
As Tartarugas em si estão bem caracterizadas, especialmente Michelângelo (Noel Fisher) e Donatello (Jeremy Howard). Leonardo (Pete Ploszek) e Raphael (Alan Ritchson) novamente brigando pela liderança do grupo já deixou de ser um arco para se tornar clichê, mas é o primeiro filme em que vemos Leonardo ser um péssimo líder, chegando ao ponto de descaracteriza-lo em dado ponto, mostrando a fragilidade do texto – e o plot da fórmula que pode transformar as Tartarugas em humanos é descartado sem cerimônias após sua utilidade expirar, sem uma resolução orgânica.
O roteiro também falha em estabelecer um tom central para a narrativa, que não se decide em abraçar a insanidade quase infantil da sua premissa é de alguns dos personagens ou se quer ser algo mais “descolado” e “maduro”. Sem contar rombos óbvios no guião.
Engraçado notar que a apresentação dos heróis-título lembra muito a tela de seleção de personagens do antigo arcade da franquia, um entre vários easter-eggs deixados para os fãs, que incluem o veículo das Tartarugas e a música-tema da série animada clássica, além do filme colocar, ao menos durante o primeiro ato, o amor dos ninjas pela cidade em evidência, algo que certamente fez falta na aventura anterior.
Mas não é só de fan-service que se faz um filme. As setpieces gigantescas remetem às loucuras da franquia “Transformers” e, embora sejam mais fáceis de acompanhar que as loucuras megalômanas de Michael Bay (que, lembro, é produtor deste longa), certamente o diretor David Green não compreende muito bem a gramática cinematográfica de sequências de ação, com algumas cenas apresentando uma geografia confusa, especialmente na cena no Brasil e no confronto final com Krang e, em dois momentos específicos, o diretor inclusive se enrola com o próprio tempo dentro da narrativa.
Embora tenha evoluído em alguns aspectos, essa continuação persiste no pecado do exagero, colocando personagens e plots demais, cenas de ação exageradamente elaboradas, gente bonita querendo aparecer muito… Os ótimos efeitos especiais, a pirotecnia e a nostalgia podem até vender os ingressos, mas público assistirá um filme estufado e que parece mais longo do que suas duas horas de duração.