Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 05 de junho de 2016

Warcraft – O Primeiro Encontro de Dois Mundos (2016): de fã para fãs

Mesmo se levando a sério demais e com um primeiro ato extremamente truncado, essa adaptação da franquia de games homônima é competente e deve conquistar os fãs e os adeptos de fantasia, mas o filme deverá encontrar dificuldade para ser abraçado pelo grande público.

É possível contar nos dedos quantas adaptações de games para o cinema realmente funcionaram. Já os desastres, esses são quase incontáveis (Uwe Boll que o diga). Quando a Blizzard anunciou que levaria “Warcraft”, sua maior franquia, para o cinema, uma comunidade de milhões de fãs logo prendeu o fôlego, esperando pelo pior. Felizmente para essa multidão, o projeto seria comandado por um deles, o cineasta Duncan Jones, dos ótimos “Lunar” e “Contra o Tempo”.

Por mais que este “Warcraft – O Primeiro Encontro de Dois Mundos” esteja aquém da qualidade dos outros filmes da filmografia do diretor, está longe de ser uma bomba, além de ser um longa visivelmente feito com carinho pelo seu realizador. O roteiro de Jones e Charles Leavitt (“Diamante de Sangue”) traz elementos do jogo original de 1994, combinados com outros dos games posteriores e algumas adaptações para a história funcionar no cinema.

Na trama, o reino de Azeroth é invadido pelos guerreiros orcs, que fogem de seu lar moribundo para colonizar um novo mundo. O roteiro acerta em colocar protagonistas dos dois lados do confronto, o que dá maior complexidade ao conflito e às motivações de ambas as facções.

Do lado de Azeroth, acompanhamos o guerreiro Lothar (Travis Fimmel), que lidera as forças do Rei Llane (Dominic Cooper) contra a horda invasora, contando ainda com a ajuda do mago Medivh (Ben Foster) e do jovem Khadgar (Ben Schnetzer). Do lado dos orcs, o filme segue o honrado Durotan (Toby Kebbell), chefe de clã e que apenas busca um novo lar pra sua família, sendo obrigado a seguir o maligno líder da horda, o feiticeiro Gul’dan, que usa a força vital de outros seres para alimentar sua magia, a vileza. Entre os dois povos, ainda há a orquisa Garona (Paula Patton), aparentemente meio orc, meio humana, escrava da horda que pode encontrar seu lugar em meio às forças de Azeroth.

Duncan Jones recria com sucesso o reino de Azeroth na telona. Ao lado do experiente desenhista de produção Gavin Bocquet (das prequels de “Star Wars”) e do diretor de fotografia Simon Duggan (“O Grande Gatsby”, “300 – A Ascensão do Império”), o cineasta não apenas cria planos incríveis, como também homenageia o jogo original e “World of Warcraft” ao conceber quadros que remetem diretamente ao gameplay dos jogos, isso sem sacrificar a narrativa. A direção de arte é incrível, especialmente ao armar as diferentes raças de modo condizente com suas respectivas culturas. O design dos diferentes pontos de Azeroth também é de tirar o fôlego, especialmente VentoBravo, que fará os fãs da Aliança delirar. Até mesmo conceitos específicos dos games, como a evolução dos personagens, são traduzidos para a telona com relativo sucesso.

Os problemas da adaptação, no entanto, não são poucos. O primeiro ato é extremamente carregado de informações e simplesmente não há tempo para o público “civil” absorver tudo e se importar com a história sendo contada. Quando o plot principal finalmente pega no tranco durante o segundo ato, o longa já está próximo demais do clímax para recapturar o interesse o público, o que prejudica o a virada de roteiro que inicia o terço final da projeção. A própria narrativa se embanana ao colocar orcs e humanos falando idiomas diferentes, mas sendo compreendidos de maneira idêntica pelo público, com Jones se virando para explicar isso para a audiência, uma dificuldade completamente dispensável na produção.

Toby Kebbell repete semeio de “Planeta dos Macacos – O Confronto” e transforma o seu Durotan, mesmo em uma performance via captura de movimentos, na figura mais complexa em cena. O chefe de clã da Horda tem o arco mais intrincado do filme, preso entre seu senso de dever para com seu povo e o futuro de sua família. Daniel Wu se sai muito bem como Gul’dan, criando um vilão que não se desculpa por seus atos e se delicia em matar qualquer um para reabastecer sua vileza.

Travis Fimmel passa longe de ser o mais carismático dos heróis com seu Lothar e o mesmo pode ser dito do Rei Llane de Dominic Cooper. Os dois atores possuem momentos extremamente dramáticos em meio à narrativa, mas pouco conseguem convencer senão nas cenas de ação, apresentando pouquíssimo carisma, especialmente considerando a importância de ambos para a Aliança. E é uma pena ver a talentosa Ruth Negga relevada a um papel terciário.

Paula Patton sofre por baixo da terrível maquiagem de Garona, que prejudica até mesmo sua dicção e poderia ter sido feito melhor por qualquer semifinalista aleatório de “Face-Off”. Já Ben Schnetzer se sai até bem quando seu Khadgar é usado como alívio cômico, mas se atrapalha ao “subir de nível”. Ben Foster, a despeito de ter um bom material para compor Medivh, acaba se entregando ao overacting em alguns momentos, comprometendo a composição deste que é um dos mais difíceis personagens da saga.

Problemático, “Warcraft – O Primeiro Encontro de Dois Mundos” diverte, mas não deve encontrar muito carinho fora dos fãs da franquia e dos aficionados por fantasia, embora o carinho e a paixão de seu realizador pelo material seja palpável. Fosse feito nos anos 1980 (e se levasse um pouco menos a sério), seria colocado ao lado de “A Lenda” ou “Willow – Na Terra da Magia”. Em um mundo já marcado pela Trilogia do Anel, fica difícil colocá-lo como um épico fantástico descompromissado, especialmente considerando seu final aberto e uma pesada e escancarada referência religiosa. Esperemos que os bugs sejam corrigidos na próxima versão.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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