Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 10 de junho de 2016

Os Anarquistas (2015): pouca história, muito romance

Forçosamente colado em seus ilustres protagonistas, o diretor perde a chance de explorar uma vertente ainda pouco revisitada dos movimentos políticos históricos europeus.

os-anarquistas-cartazAlguns podem não saber, mas até o circuito alternativo de cinema tem seus queridinhos. A França, por exemplo, um dos polos mais profícuos de produções audiovisuais, tem tradição de histórias de amor com seus artistas, como no passado com Alain Delon, Brigitte Bardot e Catherine Deneuve, e atualmente com Adèle Exarchopoulos e Tahar Rahim. A primeira se notabilizou por “Azul é a cor mais quente” (2013), polêmica adaptação do comic book de Julie Maroh, que lhe rendeu a Palma de Ouro, partilhada com o diretor Abdellatif Kechice e com a atriz Léa Seydoux (outra musa nacional). Já o ator despontou um pouco antes, com “O Profeta” (2009), de Jacques Audiard, vencedor do Prêmio do Júri em Cannes e indicado ao Oscar de filme estrangeiro daquele ano. Desde então, ambos têm sido disputadíssimos pelos autores da indústria e suas carreiras vem sendo acompanhadas de perto, inclusive pelos cinéfilos.

Justamente por isso, “Os Anarquistas”, de Elie Wajeman, trazia tantas expectativas. O projeto parecia ousado, a reconstrução da época merecia atenção e já nos trailers a química entre o casal criava expectativas. O que se vê na tela, porém, é uma história pouco ambiciosa, excessivamente centrada no romance dos protagonistas e, contraditoriamente, pouco política.

A trama, assinada pelo diretor em parceria com Gaelle Macé, acompanha o ambicioso  Jean (Tahar), policial designado a infiltrar-se num grupo anarquista parisiense liderado por Elisée (Swann Arlaud). Após tornar-se amigo de Elisée, Jean começa a frequentar reuniões secretas e logo muda-se para a casa compartilhada do grupo, aproximando-se de Judith (Adèle), namorada de Elisée, o que, apesar de seu pragmatismo, o faz começar a ter dúvidas sobre suas funções de delator.

Não se trata, portanto, de um panorama do movimento anarquista europeu entre a virada dos séculos XIX e XX, como pode-se pensar. A política notadamente habita um espaço secundário, até mesmo pela microescala e pouca relevância aparente do grupo de Elisée. O problema é que mesmo o discurso ideológico parece blasé ou mal explorado, uma vez que trata-se de uma pintura bastante estereotipada, talvez uma crítica proposital, de jovens  indignados que sonham com uma revolução enquanto vivem confortavelmente numa mansão em plena Paris e se dispõem a grandes confusões amorosas e mesquinhas intrigas pessoais.

Embora ver seus momentos de ação, em assaltos a bancos e casas da burguesia, seja interessante, eles não são apenas raros, como também rasos. À parte de algumas citações a Bakunin, teórico russo referência desse movimento, notabilizado por romper com Marx e os comunistas na Segunda Internacional Socialista (1872), a falta de maiores debates ideológicos faz com que o grupo pareça oco, mais disposto em críticas políticas dramatizadas em cartas e poesias (os textões de Facebook de outrora), do que em qualquer objetivo mais específico. Perde-se, portanto, a possibilidade de explorar um intensa conjuntura de conflitos e disputas, em que na Europa pululavam de ideologias revolucionárias e diversos setores da sociedade se organizavam em sentidos diversos.

Por fim, voltando à questão da paixão que o cinema faz gerar por certos artistas, talvez seja hora de diretores darem um passo atrás de Adèle Exarchopoulos. Não porque ela seja má atriz. Certamente linda e até agora comprovando-se talentosa, há um problema na condução de seus papéis que talvez esteja na mão e no coração dos seus diretores, que não conseguem evitar o plano fechado em seu belo rosto e sensíveis expressões. O problema é que nem só de close vive uma atriz, e Adèle parece precisar (querer!) demonstrar mais do que sua natural capacidade de encantar a câmera, tal qual um flautista faz com as cobras. Léa Seydoux, sua parceira em “Azul é a cor mais quente”, havia passado pela mesma dificuldade tempos atrás. Eu diria que é uma espécie de “síndrome de Woody Allen” que aflige certos diretores, tal qual um namorado sufocante que não consegue dar espaço às suas atrizes.

Talvez essa seja uma das maiores falhas do filme, até mais do que as já citadas acima, pois mesmo que a interação entre Adèle e Tahar esteja boa, o ator não iguala o desempenho da atriz e, por isso, uma história que poderia ser toda dela – a cena em que Judith descobre o jogo duplo do amante comprova isso -, é comprometido por uma aparente paixonite um tanto quanto infantil que faz seu diretor errar de forma rude, apequenando sua obra. Talvez se estivesse menos encantado por sua musa e mais atento a riqueza dos detalhes e do contexto de sua história, um bom filme não teria sido desperdiçado.

Vinícius Volcof
@volcof

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