Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 03 de março de 2016

Deuses do Egito (2016): um filme capaz de fazer Faraós se revirarem em suas tumbas

O filme é um descalabro: o roteiro é abominável, a escolha do cast foi equivocada e a direção é péssima. Uma bomba de CGI carnavalesco que representa um lixo cinematográfico.

deuses-do-egito-posterEmbasar um argumento de um roteiro em uma história clássica é um caminho mais fácil para o sucesso. O caminho é mais fácil, mas não garantido. No caso de “Deuses do Egito”, o caminho fácil levou a um descalabro. Importante mencionar de antemão que o alto orçamento gera a responsabilidade, em tese, de um produto melhor.

O argumento do longa parte de um famoso episódio da mitologia egípcia: Set, um Deus associado ao mal, mata seu irmão Osíris, causando a revolta de Hórus (filho de Osíris), que luta para vingar o assassinato do pai, mas acaba perdendo um olho na luta com o tio. Desde então, o Olho de Hórus é usado como símbolo de proteção. No filme, tudo isso acontece, mas Hórus (Nikolaj Coster-Waldau) perde os dois olhos na luta com Set (Gerard Butler), recuperando um deles graças a um humano, Bek (Brenton Thwaites), que negocia com o deus uma troca de favores, visando sua amada.

Os responsáveis pelo roteiro foram Matt Sazama e Burk Sharpless, que roteirizaram também “O Último Caçador de Bruxas” e “Drácula – A História Nunca Contada”. Dos três, é impossível eleger o maior lixo. Desta vez, apesar dos clichês desnecessários – em especial românticos (um que não convence e um que não agrega, embora ambos essenciais na narrativa) –, existe uma pequena virtude que evita que “Deuses do Egito” possa ser rotulado como desgraça completa. Apesar de o texto ser maniqueísta, o maniqueísmo não é puro, vez que Hórus e Bek são anti-heróis. Isto é, teria sido muito pior se o protagonismo fosse exercido por figuras unidimensionais que corporificariam a perfeição. Cabe alertar que isso não significa que o roteiro é bom. É abominável, de tão mal elaborado.

Nesse ínterim, a construção das personagens é desastrosa. As duas duplas são muito fracas, afundando ainda mais a história. Bek é uma figura interessante por não recair no lugar-comum. É um ladrão habilidoso (o que fica muito claro na cena que remete a Indiana Jones) e com alguma complexidade – por exemplo, ao recusar-se a ser subserviente aos deuses. No entanto, Thwaites não consegue expor muito bem as nuances da personagem, em especial nas poucas cenas trágicas, em que ele encarna um frigorífico. Diametralmente oposta é Zaya (Courtney Eaton), personalidade bem mais simplória e próxima do norte moral arquetípico, interpretada por uma atriz que parece ter algum talento. A outra dupla é ainda pior: Hórus demonstra sutilezas que um ator melhor conseguiria expor – prova disso é Rufus Sewell, bom ator que consegue tirar bons lances de um papel pequeno –, e Hator (Elodie Yung) é relevante em apenas um momento, desgastando a figura por aparecer sem necessidade. Por sua vez, o resto do elenco não salva o filme. O Set de Gerard Butler é um Leonidas malvado. Butler estava com preguiça ao compor o vilão. Chadwick Boseman, em atuação absurdamente caricata, vive um Tot incoerente, pois um deus sábio jamais poderia ser tão infantil. Sobre Geoffrey Rush… não que ele esteja mal, mas Rá é desprezível como personagem. A escolha do cast acabou se revelando um equívoco homérico (e admitido pelos produtores), começando pela falta de representatividade dos verdadeiros egípcios (muito diferentes dos caucasianos escoceses, ingleses e australianos) e terminando por ignorar as idades (Rá é pai de Osíris, mas o ator é mais novo).

A cereja do bolo foi a péssima direção de Alex Proyas, que fez opções ridículas que prejudicam um produto que já prometia ser fraco. A narração voice over já é questionável, mas, uma vez adotada, abandoná-la é um erro brutal. Os humanos parecem pigmeus se comparados aos deuses, o que fica vergonhoso na telona. A alternância morfológica dos deuses é um equívoco, pois eles não são retratados completamente antropomórficos na mitologia egípcia. Proyas usou e abusou do chroma key, criando uma bomba de CGI carnavalesco tão radical que chamar aquilo de arte chega a ser ofensivo.

Cinematograficamente, “Deuses do Egito” é um lixo. Já temos um pré-candidato ao Framboesa de Ouro.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

Compartilhe