Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 26 de março de 2015

Insurgente (2015): roteiro sem sentido sabota esta continuação

A despeito do aparente comprometimento dos atores e até do próprio diretor desta sequência, o filme jamais chega perto de cumprir seu potencial, graças a um roteiro que insiste em não fazer sentido.

É engraçado comparar o primeiro “Divergente” com este “A Série Divergente – Insurgente”, sua continuação direta – os dois filmes separados por menos de um ano em seus lançamentos, diga-se. Chega a ser incrível como as duas adaptações da franquia criada pela escritora Veronica Roth, que possuem equipes criativas diferentes, apresentam defeitos complementares, com esta sequência sanando alguns problemas do original apenas para criar outros ainda piores.

Dirigido pelo alemão Robert Schwentke (“Te Amarei Para Sempre”, “RED – Aposentados e Perigosos”) e com um roteiro escrito a seis mãos por Mark Bomback (“Duro de Matar 4.0”), Akiva Goldsman (“Fringe”, “Uma Mente Brilhante”) e pelo novato Brian Duffield, o filme retoma a história do exato ponto em que “Divergente” parou. Tris (Shailene Woodley) e Quatro (Theo James) tentam reunir forças entre as demais facções e dentre aqueles sem-facção, liderados pela pragmática Evelyn (Naomi Watts), para derrubar a cada vez mais insana Jeanine (Kate Winslet) do poder. Enquanto isso, a vilã recupera uma caixa pode lhe dar o poder para acabar de vez com a “ameaça divergente”.

Em relação ao seu predecessor, o longa melhorou as interações pessoais, especialmente entre seus quatro personagens principais, certamente os quatro pilares centrais da fita. Shailene Woodley se mostra deveras compenetrada em seu esforço de transformar Tris numa figura multifacetada, algo mais que necessário para a protagonista, haja vista que ela é aquela que, dentro da narrativa, possui todas as virtudes cardinais daquele mundo.

A ligação entre Tris e o Quatro de Theo James se torna mais real justamente por não ser o elemento-definidor dos dois, que expõem a importância de um para o outro sem apelarem para discursos melosos e expositivos. O fato de ambos serem filhos de lares direta ou indiretamente destruídos pelo sistema reforça os laços entre eles, com o subplot de Quatro, Evelyn e Marcus (Ray Stevensson) acrescentando ainda um elemento de abuso doméstico àquele mundo, mesmo que de maneira en passant.

O impacto da violência, ao contrário do que acontecia no filme passado, é transmitido para o público e sentido em tela de maneira poderosa – especialmente por Tris –, com algumas mortes emocionalmente carregadas, conduzidas de maneira eficiente por Schwentke. Visualmente, o longa também evoluiu consideravelmente, apresentando bons efeitos especiais e um design de produção mais funcional (adeus armas de paintball). Vale ressaltar que, mesmo com essa melhora no aspecto gráfico da produção, o 3D desta é nulo, servindo apenas para aumentar o preço dos ingressos

Jai Courtney continua a criar um ser intimidador e odioso com o seu Eric, enquanto o Peter de Miles Teller deixa de ser o chato padrão do grupo e se transforma em uma das figuras mais carismáticas e interessantes da franquia, muito disso por conta da energia que o jovem ator traz ao personagem. Uma pena que o mesmo não se aplique a Ansel Elgort e seu Caleb. Elgort chega em cena já um tanto apático e, para completar, o arco dramático de Caleb simplesmente não faz sentido algum

A falta de sentido, aliás, também acomete elementos centrais do plot e alguns acontecimentos da trama, minando completamente o restante da produção. Fica difícil engolir o mistério da caixa – que perdura até o final da produção – quando o personagem de Ray Stevensson praticamente implora para explicar o que está acontecendo para os heróis – e para o público -, sendo interrompido por um ataque de birra de Quatro.

O audaz herói vivido por Theo James também protagoniza outro momento descerebrado quando deixa acontecer um combate despropositado (embora muito bem coreografado), quando poderia parar o confronto com uma frase, fazendo isso apenas após algumas mortes desnecessárias acontecerem.

A existência da caixa em si e os motivos da busca de Jeanine por abri-la também beira o absurdo, sendo um contrassenso que um objeto que traria o fim dos divergentes só pudesse ser aberto por um divergente – o que, por sua vez, implode a postura “erudita” da antagonista interpretada por Winslet. Coroando este festival de sandices, o filme se encerra em uma “apoteótica” revelação, que remete ao final do primeiro longa de outra franquia “young adult” que ganhou as telas recentemente (comparação nada lisonjeira, aliás).

O que parece é que nem mesmo três roteiristas foram capazes de extirpar do guião os pouco criativos rombos que surgem na tela e que comprometem o esforço honesto de um elenco quase que uniformemente inspirado e engajado com a franquia e seus fãs.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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