Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 17 de março de 2015

Mortdecai – A Arte da Trapaça (2015): uma caricatura divertida

Requinte visual e exageros divertidos dão o tom ao filme.

Muitas vezes um ator precisa de um grande papel para alavancar sua carreira. Aquele que o transformará num astro, reconhecido tanto por seu talento dramático como pela sua capacidade de gerar bilheterias. Pouco mais de uma década atrás, Johnny Depp atingiu esse patamar, ao interpretar o famoso pirata Jack Sparrow na franquia da Disney. Infelizmente, ele se transformou em refém de seu sucesso, com grande dificuldade de escapar de tão marcante figura. “Mortdecai – A Arte da Trapaça” é mais uma tentativa do astro de provar que é mais que um pirata bêbado e trapaceiro.

O filme conta a história de Mortdecai (Johnny Depp), um traficante de obras de arte que se vê envolvido em uma intrincada investigação internacional em torno de uma obra de arte roubada de uma restauradora. Enquanto tenta proteger sua esposa Johanna (Gwyneth Paltrow) das investidas galanteadoras do agente do MI5 Martland (Ewan McGregor), Mortdecai viaja com seu fiel escudeiro Jock (Paul Bettany) por todo o mundo para descobrir o paradeiro da pintura e manter sua liberdade.

O roteiro de Eric Aronson (a partir do romance de Kyril Bonfiglioli) se baseia bem mais em seus personagens que na história propriamente dita. E estes são construídos de forma bastante caricatural, como uma paródia dos estereótipos certinhos e metódicos da aristocracia intelectual britânica, o que seria um defeito, caso isso não ficasse claro, e divertido, desde o início. Tal caricatura não reside apenas na caracterização das figuras que surgem em tela, mas também em suas relações, o que demonstra boa dose de competência ao diretor David Koepp em conduzir seu elenco de estrelas. A química entre o elenco funciona sempre, especialmente o protagonista e sua esposa, numa curiosa relação de vaidade, sexo e interesse.

Obviamente, em uma trama baseada em personagens, o desempenho do elenco é fundamental. E que feliz surpresa ver Johnny Depp atuando (ainda que mais uma vez com uma figura cheia de maneirismos) fora dos moldes de Jack Sparrow. Seu Mortdecai é um homem extremamente afetado, mimado, que só se preocupa com o luxo e sofisticação que sua vida de crimes lhe proporciona. Sua própria ocupação é um reflexo de sua personalidade, pois seus conhecimentos sobre história da arte são imensos, além do perceptível, e enorme, prazer que o assunto lhe traz. No entanto, o ator consegue transformar características que poderiam soar irritantes em encantadoras ao transmitir também uma aura de ingenuidade, dada a forma como ele reage à diversas situações à sua volta. Gwyneth Paltrow e Ewan McGregor também estão bem, no desenvolvimento de um quase romance que sempre parece prestes a decolar. Da mesma forma funciona Porém, o outro grande destaque, além de Depp, é Paul Bettany. Jock é um homem com um propósito bem definido em sua vida: servir a Mortdecai fielmente, em qualquer circunstância, sem reclamar, sempre com força e dedicação. E ele faz isso com perfeição, mesmo sob as mais bizarras e improváveis condições.

Além disso, outra grande força do novo longa de David Koepp reside no forte apelo visual. Os figurinos reforçam a composição de seus personagens, retratando bem suas personalidades: Ao passo que Mortdecai está sempre com roupas bem cortadas e ajustadas, suas cores extravagantes demonstram que aquela pessoa tem um gosto bastante peculiar. E não esqueçamos do seu maior motivo de orgulho, até mesmo dentro da família, o seu famigerado bigode! Em contraponto, Jock está sempre de preto, como se disfarçasse seu físico avantajado, porém com suas cicatrizes evidenciando a ameaça que ele representa. Alguns outros aspectos criativos surgem em tela, enriquecendo a fita, como os letreiros que indicam as cidades em que tudo está ocorrendo, bem como as viagens, substituindo os repetitivos e enfadonhos planos aéreos que ajudam o espectador a compreender onde a ação está ocorrendo.

“Mortdecai – A Arte da Trapaça” é uma comédia leve e divertida que, apesar de uma história com alguns furos, consegue seu objetivo de provocar risos enquanto avacalha com símbolos e estereótipos britânicos.

David Arrais
@davidarrais

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