Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Festa no Céu (2014): uma animação honesta e sensível

Animação produzida por Guillermo Del Toro discute de forma sensível e inventiva as dificuldades de superar as perdas da vida e seguir em frente.

O que tem incomofestanoceudado bastante em relação à maioria das animações produzidas recentemente é o fato de que prioriza-se muito mais um visual estonteante e recheado de cores para chamar (excessivamente) a atenção da criançada, do que uma história com charme, alma e profundidade de alguns dos clássicos que vimos ao longo dos tempos. Eventual saudosismo à parte, é realmente animador ver um filme como este, que alia com sofisticação as duas características: “Festa no Céu” possui sim um visual arrebatador, com cores vivas e vibrantes que dão à película um design espetacular, mas também nos conta uma história delicada e sensível, que por mais que à primeira vista soe como um drama genérico e clichê, consegue alçar sua narrativa a um patamar diferenciado.

O longa de direção e roteiro de Jorge R. Gutierrez, e produção encabeçada por Guillermo Del Toro, conta a história de dois garotos, Manolo e Joaquin, que disputam o coração da pequena Maria, amiga de ambos. Tudo normal, se não fosse a aposta de duas entidades espirituais sobre qual deles sairá vitorioso da disputa. La Muerte, a boa governante da Terra dos Lembrados, para onde os mortos que ainda habitam a mente de seus entes queridos na terra vão, aposta no romântico Manolo; Xibalba, o governante de caráter duvidoso da Terra dos Esquecidos, um lugar frio e solitário onde os que lá habitam não são mais lembrados por ninguém de nosso planeta, aposta no bravo e corajoso Joaquin.

A partir de determinado momento, Maria é obrigada pelo pai a deixar a cidade e só volta muitos anos depois, quando os três amigos já estão crescidos. Então, a trama se desenrola tendo como base as indas e vindas da aposta feita por La Muerte e Xibalba, que não devem interferir diretamente, em nenhuma circunstância, no triângulo amoroso. Evidente que as coisas não acontecem como o esperado e muitos obstáculos irão surgir no caminho de tal jornada.

Sob o ponto de vista do design de produção, é interessante notar como adotou-se aqui uma abordagem criativa e eficiente. Concebidos quase como se fossem pequenos “bonequinhos” (o que faz perfeito sentido, uma vez que a história está sendo contada por uma instrutora de museu que usa justamente tais objetos para ilustrar as passagens da trama), os personagens possuem olhos grandes e arregalados, que facilitam a empatia do espectador, e funcionam quase como uma espécie de – divertidas – caricaturas de si mesmos.

Nos cenários, temos uma idealização que flerta (e esta é a palavra chave) com o expressionismo, tendo em vista a distorção de ambientes e cores no meio externo para representar conflitos e pontuar características internas dos próprios personagens. A Terra dos Lembrados, por exemplo, é um local cheio de vida e muita alegria, onde as cores se manifestam de um modo marcante, vivas, ilustrando com eficácia toda aquela atmosfera de felicidade. Do lado diametralmente oposto, temos a Terra dos Esquecidos, um lugar distante e triste, onde a paleta mais dessaturada e as cores de tons mais frios e neutros exercem um papel fundamental para concebê-la dessa maneira.

Em que pese o lado técnico apurado e inventivo, o que realmente torna “Festa no Céu” uma animação diferenciada das demais é a sua sensibilidade para com seus personagens e a singela mensagem que passa. Todos nós já nos deparamos com situações de perda em nossas vidas e tivemos que seguir adiante de alguma maneira. A divisão das locações entre o mundo terreno, a Terra dos Lembrados e a Terra dos Esquecidos é usada com extrema competência, de forma a reforçar com habilidade a essência do “seguir em frente” a qual o filme tanto martela – sem passar do ponto.

Assim, equilibrando bem as variadas facetas que o tornam uma boa experiência cinematográfica, “Festa no Céu” cumpre o que promete com honestidade; um trabalho singelo, criativo e sensível. Às vezes a trama pede um alívio cômico mais afiado, e talvez por isso o longa não chegue a alcançar todo o seu potencial, mas é sem dúvidas uma das boas animações de 2014.

Arthur Grieser
@arthurgrieserl

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