Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Livrai-nos do Mal (2014): entre sustos e bocejos, terror fica na média

Em meio a uma produção de excessos em uma trama que pedia um clima mais intimista, o cineasta Scott Derrickson se vê perdido em um filme que privilegia mais o seu próprio visual que um clima de tensão.

Usar elementos mais verossímeis nos aspectos sobrenaturais de uma trama de terror é uma das saídas mais usadas pelos roteiristas do gênero hoje em dia para ancorar suas narrativas no mundo real. Nada mais natural, portanto, que o interesse de Hollywood no livro “Beware The Night”, co-escrito pelo ex-policial novaiorquino Ralph Sarchie, no qual ele narra suas experiências com o macabro ao lado de um padre, bem como a influência do oculto nos crimes mundanos.

Tal premissa é deveras promissora e, nas mãos certas, poderia render uma franquia de thrillers estilizados bastante eficiente. Infelizmente, a cria cinematográfica da obra literária acabou sendo este mediano “Livrai-nos do Mal”, fita que aproveita muito pouco do potencial criativo da sua ideia central, que acaba sendo usada para dar vazão a uma série de clichês batidos do gênero.

Produzido por Jerry Bruckheimer, o longa foi dirigido por Scott Derrickson, com este último também co-responsável pela adaptação do livro de Sarchie ao lado de Paul Harris Boardman, repetindo a dobradinha que os dois fizeram no eficiente “O Exorcismo de Emily Rose”. No entanto, ao contrário da colaboração anterior da dupla (e algo denunciado pela produção do megalomaníaco Bruckheimer), o foco aqui está mais na ação que no suspense em si.

Por isso não é surpresa que a primeira cena da fita se passe no Iraque, onde três soldados americanos encontram algo que os transforma. Algum tempo depois, em NY, o policial Sarchie (Eric Bana) e seu parceiro Butler (Joel McHale) descobrem uma série de casos macabros ligados ao trio de militares. Um pouco ortodoxo padre jesuíta, Mendonza (Edgar Ramirez), convencido da natureza sobrenatural dos crimes, oferece sua ajuda ao cético Sarchie, cujo casamento com sua bela esposa (Olivia Munn) vem sofrendo com as pressões de seu trabalho.

Apesar de todo a atmosfera pesada ao redor dos personagens, criada especialmente através da fotografia digital de Scott Kevan, que retrata aquele mundo em tons tristes e dessaturados, a narrativa é, com o perdão do trocadilho, sem vida. A angústia que Sarchie deveria passar após anos servindo como radar de coisas ruins e o bálsamo que seria a sua vida familiar passam em branco, a despeito dos esforços de Eric Bana e Olivia Munn, que estão mais para apáticos que para melancólicos. Joel McHale, por sua vez, parece mais que era fazendo uma caricatura de um policial para “Community” que construindo um personagem.

O filme perde mais tempo com sustos fáceis que com o fator humano, desenvolvido a base de clichês, o que faz com que pouco nos importemos com aquelas pessoas e seus destinos, mesmo quando os riscos para os heróis se tornam mais pessoais, já no terceiro ato. Se não há interesse no bem-estar dos personagens, não há motivo para que o público se assuste com os perigos que surgem na tela. Os vilões aparecem e desaparecem da tela em um piscar de olhos e até a propagandeada cena do exorcismo acaba sendo mais um desapontamento, visualmente adequada, mas desprovida de tensão.

Apenas o Padre Mendonza ganha um pouco mais de “cor”, graças a um ótimo monólogo de Edgar Ramirez, que rouba a cena praticamente em todos os momentos em que surge na tela, em uma interpretação que – intencionalmente ou não – remete ao alquebrado Padre Karras de Jason Miller em “O Exorcista”. A atriz Olivia Horton também demonstra uma entrega física surpreendente no papel da perturbada Jane.

É uma pena que o longa desperdice sua premissa e um cenário evocativo em uma produção previsível, que pesa mais pelo estilo que pela substância. Mesmo a discussão sobre o mal primário e secundário se perde em meio ao barulho. Se “O Exorcista” mostrava a destruição da inocência, na forma de uma criança, por uma influência maligna, aqui jamais conhecemos bem os “possuídos” para ver até onde suas ações foram manipuladas, o que esvazia a proposta.

Todas as ações dos personagens e até mesmo as viradas do script podem ser previstas por qualquer um que tenha assistido ao menos um exemplar do gênero antes. Scott Derrickson pouco revela aqui do diretor que surpreendeu o público anteriormente, com o cineasta precisando urgentemente exorcizar o lugar-comum de sua filmografia.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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