Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 23 de junho de 2014

Vizinhos (2014): comédia em sua plenitude

Seth Rogen e Zac Efron encabeçam uma comédia pura e honesta, recheada de referências bacanas e transbordando humor politicamente incorreto.

Uma das principais características que uma boa comédia deve conter é a capacidade máxima de não se levar muito a sério. É algo intrínseco ao próprio gênero; é comédia, não drama. Nos tempos atuais, alcançar tal façanha é um feito extremamente penoso, tendo em vista um público/consumidor cada vez mais ávido por tramas simples, mastigadas e politicamente corretas e menos propenso a se entregar sem medo à piada pela piada.

Evidente que o fato de ter na piada um fim em si mesmo, e não um meio para lições de moral estapafúrdias e clichês, tão típicas do “cinemão” americano (e mundial, eu diria. Basta conferir os enlatados brasileiros, por exemplo, que saem a rodo todo ano), não implica necessariamente em humor escrachado e pastelão. Apesar de difícil e cada vez mais raro de encontrarmos, há sim como equilibrar essa característica com um toque de inteligência que nos leve a uma reflexão crítica do mundo em que vivemos e dos valores que norteiam a sociedade. Chaplin nos ensinou muito sobre isso em várias de suas obras-primas, que, de tão numerosas, torna-se inconveniente citá-las.

Essa verdadeira engenharia em termos conceituais só ratifica o gênero como um dos mais complexos de todo o cinema. Felizmente, ainda temos uma resistência em Hollywood que não foi contaminada desse mal tão predominante na indústria e que sabe equilibrar muito bem um humor altamente non-sense com aquele “algo a mais” necessário a toda obra de arte; uma resistência que tem como um de seus principais expoentes Seth Rogen, ator e, aqui, também produtor deste ótimo “Vizinhos”.

O longa acompanha a história de Mac (Rogen) e Kelly Radner (Rose Byrne), um casal com um bebê recém-nascido que vê suas vidas virarem de cabeça para baixo quando aparecem novos vizinhos no bairro, uma fraternidade universitária. Jovens e obviamente cheios de energia, os universitários protagonizam uma série de festas malucas e reuniões barulhentas que atrapalham a rotina de sono do casal Radner e, principalmente, da pequena Stella. Inicialmente cordial, a relação dos vizinhos logo entra em pé de guerra quando eles resolvem se enfrentar abertamente.

Com uma direção correta de Nicholas Stoller, responsável pelo também bacana “Ressaca de Amor” (2008), e que possui como principais méritos mais não atrapalhar do que qualquer outro aspecto em especial, a força narrativa da película é toda concentrada nos carismáticos atores que protagonizam o embate da vizinhança. Seth Rogen e Zac Efron, que aqui encarna uma espécie de versão máscula e viril de Troy Bolton alguns anos mais velho, formam uma dupla curiosa e realmente cômica. Reforçando o elenco, Rose Byrne também está ótima como a Sra. Radner e temos participações pequenas, mas não menos especiais, de Lisa Kudrow (a Phoebe, de “Friends”) e Christopher Mintz-Plasse, o eterno McLovin, reeditando a parceria de sucesso com Rogen em “SuperBad – É Hoje”.

Recheado de referências pop divertidas (a de Robert De Niro e do Batman, em especial, são absolutamente hilárias), o filme aposta na transição da juventude para a fase adulta como pano de fundo temático para as situações absurdas e cômicas que propõe, tendo no excesso de obviedade em tal mensagem o seu principal defeito. A mudança brusca da própria personalidade e modos de agir de determinados personagens da fraternidade, por exemplo, são bastante convenientes com o simples e descompromissado roteiro (e isso não é uma crítica) da dupla estreante Andrew J. Cohen e Brendan O’Brien, soando demasiadamente forçada para criar um plot twist dramático artificial e desnecessário.

Assim, “Vizinhos” se prova uma comédia digna de reconhecimento, procurando divertir por divertir, sem se preocupar com uma abordagem politicamente correta ou comportada demais. Já na primeira cena temos o tom definido de o que (e como) será mostrado dali em diante. Ainda que cometa alguns deslizes quando parece não estar seguro quanto a tal abordagem, logo faz questão de descontruí-los, como ilustra de maneira sintomática o seu epílogo, fechando o filme de modo coerente, simples e divertido.

Arthur Grieser
@arthurgrieserl

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