Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 30 de março de 2014

Tudo por Justiça (2013): um thriller dramático e eficiente

Tendo no grande elenco sua principal força narrativa, longa acompanha a jornada de um irmão em busca de justiça.

Tudo por JustiçaHá pouco mais de três anos, na 83° edição do Oscar, Christian Bale teve seu enorme talento reconhecido quando ganhou seu primeiro e – até agora – único Oscar da carreira, por sua atuação em “O Vencedor”, de David O. Russell. Bale interpretava Dicky Eklund, um ex-pugilista frustrado e cheio de problemas, que mantinha uma relação de cumplicidade e companheirismo muito forte com seu irmão, sendo seu treinador de boxe profissional. O contexto e o enfoque são diferentes, mas a frustração pessoal e a relação central com o irmão que move a narrativa se mantêm em “Tudo por Justiça”, novo filme de Scott Cooper (“Coração Louco”, 2009).

Escrito pelo próprio Scott Cooper em parceria com Brad Ingelsby, o longa acompanha a história de Russell Baze (Christian Bale), um humilde operário de uma usina que, ao ser preso por ter causado um acidente na estrada, retorna à sociedade percebendo que nada ao seu redor continuava como antes. Sua ex-namorada agora vivia com outro homem, seu pai tinha falecido e seu irmão, um ex-combatente na Guerra do Iraque, estava envolvido em uma série de lutas clandestinas para poder ganhar dinheiro e sobreviver. Quando este some misteriosamente em uma de suas empreitadas, Russell enfrenta seus demônios internos partindo por conta própria em sua busca.

Do ponto de vista técnico, o filme é extremamente bem realizado. A fotografia de responsabilidade do experiente Masanobu Takayanagi aposta em uma paleta dessaturada e em uma iluminação de alto contraste para ilustrar toda a frieza daquele universo, bem como o conflito dual que o protagonista precisa enfrentar, de todas as desgraças que aconteceram em sua vida em face ao ideal de fazer a coisa certa e buscar justiça a todo custo. A direção de Cooper é correta e eficiente, mesmo que não possua um grande diferencial. Assim como a trilha de Dickon Hinchliffe, que equilibra as composições dos momentos de tensão com os mais ternos ou dramáticos, apesar de também não ser particularmente marcante.

Entretanto, os aspectos da trama, o roteiro e especialmente as atuações são as maiores virtudes – e também suas principais falhas. Além de Bale, que tem a incrível capacidade de dar um grande peso dramático ao personagem sem grandes exageros, em uma composição minimalista e segura, ainda temos nomes como Casey Affleck, em uma atuação consistente e importante, Zoe Saldana, Willem Dafoe e Forest Whitaker, que dão vida a personagens menores, mas que também compõem a narrativa de forma talentosa, dando ainda mais estofo ao elenco.

O grande destaque, todavia, fica por conta de Woody Harrelson, que constrói um antagonista que, apesar de unidimensional, é absolutamente assustador. A imponência arrebatadora de Harlan DeGroat em cena desde o primeiro instante do longa já dá o tom do que será sua participação dali em diante, o que demonstra a plena consciência dos realizadores quanto à força motora da película. E o mais impressionante é que Harrelson realiza tal façanha também com uma atuação sem grandes exageros; o tom de voz, o olhar fulminante, a postura: bastam elementos como esses para tornar a imprevisibilidade do personagem em algo intimidante e completamente incômodo para o espectador.

O roteiro, por sua vez, é bem construído, mas apresenta algumas inconsistências. Não são problemas que comprometam significativamente o resultado final da obra, mas definitivamente prejudicam o ritmo da mesma, principalmente no começo do segundo ato. Em dado momento, por exemplo, o script parece não saber exatamente, de fato, quem é o protagonista da história; se Russell ou Rodney, não equilibrando de maneira orgânica as duas linhas narrativas paralelas e estremecendo parte da boa dinâmica que havia sido constituída até então.

Passado tais momentos de instabilidade, contudo, a trama volta a engrenar e o nível só cresce, culminando em uma resolução que, apesar de previsível, é satisfatória e coerente com tudo aquilo que foi apresentado durante as quase duas horas de projeção. Dessa forma, tendo uma parte técnica apurada e apostando no talentoso e estelar elenco como principal força narrativa, “Tudo por Justiça” cumpre aquilo que propôs, estabelecendo uma história densa que prende a atenção do espectador do começo ao fim.

Arthur Grieser
@arthurgrieserl

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