Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

A Grande Beleza (2013): reflexões escorregam em narrativa bagunçada

Em tom ‘’felliniano’’, longa propõe boas reflexões sobre diversos temas, mas resultado final não convence.

A Grande BelezaÉ sempre bom ver pessoas que, além de simplesmente contarem uma história, encontram espaço para propor, por trás desta, um debate maior sobre valores, cultura, contradições humanas, entre outros tantos temas. Infelizmente, poucos são os que topam o desafio atualmente. E os que o fazem, muitas vezes caem na casca de banana da pretensão, do rebuscamento em excesso, o que dificulta a compreensão da obra e sua difusão para o grande público. Conseguir combinar esses elementos na medida certa é difícil. A intenção é ótima, mas, em parte considerável das vezes, não tão bem sucedida. E este é exatamente o caso de “A Grande Beleza”, filme dirigido pelo emergente diretor italiano Paolo Sorrentino e roteirizado pelo próprio juntamente com Umberto Contarello.

Indicado ao Oscar de melhor filme em língua estrangeira, “A Grande Beleza” acompanha a vida de Jep Gambardella, em uma segura e convincente atuação de Toni Servillo, um escritor de meia-idade que, há anos sem conseguir escrever um romance, começa a refletir sobre sua vida e as escolhas que o fizeram chegar até ali. Quando não está em uma roda de amigos discutindo sobre os mais variados assuntos ou caminhando pela cidade, Gambardella se diverte em suas festas de luxo, tentando preencher o vazio existencial que possui dentro de si.

Mais conceitual e (multi)temático do que propriamente uma narrativa convencional, o que acaba por ser um problema, o filme propõe uma abordagem crítica acerca dos valores que nos permeiam atualmente. Sorrentino passeia com sua instável câmera por uma Roma moralmente decadente, povoada por uma sociedade vazia e dotada de aspirações fúteis, contrastando com a grandiosa beleza artística da histórica cidade. Nesse sentido, é interessante que o diretor frequentemente opte por planos fechados nos rostos dos personagens, quase como em um curioso experimento social, afim de compreender melhor as pessoas em questão. Aqui, nota-se uma clara influência felliniana em seu trabalho.

A refinada crítica à sociedade romana, especificamente, é um dos principais focos do longa. Enquanto o protagonista lamenta estar no meio de um bando de ‘’mundanos’’ (o mesmo clama querer ser o ‘’rei dos mundanos’’), ao passo em que caminha de forma contemplativa pela cidade, outro personagem afirma, mais adiante, que ‘’Roma o decepcionou’’. Se também levarmos em conta a leve cutucada aos rígidos costumes religiosos, fica difícil não notar mais uma influência de Fellini, dessa vez temática, em sua obra.

Um roteiro irregular, entretanto, acaba por prejudicar um pouco a experiência. Recheado de diálogos excessivamente pretensiosos, o filme parece não saber exatamente qual história quer contar: se a do misantropo senhor de 65 anos de idade atormentado pela mediocridade e pelos fantasmas do passado, ou se a da própria sociedade medíocre, cuja moral e valores são questionáveis. Assim, fica difícil para o espectador conectar-se com os conflitos vividos por Gambardella, de forma que estes se tornam um tanto quanto superficiais e desinteressantes.

A montagem também não é nada sutil, em nenhum momento estabelecendo uma ligação fluida entre os mais variados pontos (e planos) da trama, tornando a narrativa arrastada e bastante cansativa. São pouco mais de duas horas de projeção, mas que mais parecem três ou quatro. Ainda há uma infeliz tentativa de estabelecer contraste, ao colocar lado a lado, planos tematicamente opostos, reforçando a ideia de conflito interno pelo qual passa o protagonista, mas de forma pouco orgânica e que em instante nenhum soa natural.

Por outro lado, Luca Bigazzi comanda com brilhantismo uma fotografia belíssima e extremamente eficiente do ponto de vista narrativo. Utilizando uma paleta dessaturada e criando contrastes de luz que ilustram a dualidade dos sentimentos de Gambardella, Bigazzi também faz uso de brilhos que realçam ao máximo a grandiloquência dos monumentos históricos de Roma, concretizando a ideia de contradição proposta por Sorrentino desde a primeira cena do longa; da beleza imponente da cidade com o vazio das pessoas que a habitam.

Entre erros e acertos, é conveniente afirmar que “A Grande Beleza” é um filme interessante, que vale pela profundidade e seriedade das ideias que propõe, instigando sempre a reflexão, ainda que apresente problemas do ponto de vista narrativo e estrutural. Uma pena que, como resultado final, o longa não consiga alcançar muito mais do que aquilo que tanto condenou no decorrer de sua projeção: a mediocridade, no sentido literal da palavra.

Arthur Grieser
@arthurgrieserl

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