Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

A Vida Secreta de Walter Mitty (2013): autoajuda simpática por Ben Stiller

Cheio de lemas e dizeres motivacionais, o longa apresenta uma jornada de autodescoberta ora divertida ora didática demais.

A Vida Secreta de Walter Mitty“Pare de Sonhar. Comece a Viver”. O lema escrito na parte de cima do pôster ao lado resume bem, até bem demais as intenções de “A Vida Secreta de Walter Mitty”. A quinta incursão de Ben Stiller como diretor de longas-metragens não poderia ser mais didática em suas mensagens de autoajuda. Elas surgem em vários momentos, sejam escritas em uma carteira bem especial, sejam em grandes letreiros cobrindo uma montanha. Felizmente, porém, o didatismo do filme é acompanhado (ou intercalado) de uma história divertida contada pelo ponto de vista de um personagem de carisma transbordante.

Mas Walter Mitty (Stiller) não passa, primeiramente, de um homem solitário de imaginação fértil. Imaginação essa que ajuda a compensar a falta de momentos relevantes em sua vida, floreando o que não possui beleza nenhuma. Nem mesmo coragem para se aproximar da bonita Cheryl Melhoff (Kristin Wiig), sua nova companheira de trabalho, ele possui. A situação piora quando é anunciado o fim da versão impressa da revista Life, onde está empregado há 16 anos. E a perca de um negativo da foto que deveria estampar a última capa da revista, enviado pelo fotógrafo Sean O’Connell (Sean Penn), pode influenciar em sua demissão.

A partir de então, tem início sua jornada. Mitty não está disposto a perder essa batalha, pelo menos essa, tão facilmente. A busca pelo negativo e, consequentemente, por O’Connell levam-no a embarcar em algumas viagens aventureiras, que incluem escalar montanhas, fugir de vulcões em erupção e até enfrentar tubarões. Com incrível dinamismo, o trabalho de Ben Stiller por trás das câmeras transforma essas sequências em momentos de grande prazer, abusando de estratégias típicas do cinema indie norte-americano que funcionam perfeitamente em sua narrativa emotiva e brincalhona.

Closes no protagonista quando colocado em situações de óbvia estranheza, câmera lenta e trilha sonora inspirada são as principais estratégias da direção. Ouvir “Wake Up”, do Arcade Fire, enquanto acompanhamos Walter Mitty deixar seu conforto e arriscar-se pelo mundo afora ajuda consideravelmente na relação do público com os objetivos do protagonista. Os “videoclipes” se sucedem, incrementados por efeitos visuais competentes, tornando possível experimentar um pouco da imaginação do personagem e também um pouco de sua excitante nova realidade.

No entanto, a fábula de Stiller, roteirizada por Steve Conrad, adaptada do conto de James Thurber (que já ganhou até uma versão pouco apreciada nos cinemas em 1947), tem sérios problemas de conteúdo. A obviedade de sua mensagem é o maior deles, contribuindo para um desfecho previsível, especialmente no quesito romance e rumos profissionais. Problemático é também seu plot, difícil de engolir, sustentado por um encontro nem tão esperado entre personagens, ocasionando descobertas que a direção ainda um pouco imatura de Stiller não consegue esconder tão bem.

A transição entre imaginação e realidade soa atropelada, podendo levar alguns a pensar que tudo não passa de um grande sonho de Mitty, ou melhor, de um grande delírio. Exagerando em suas pretensões, o filme afasta-se completamente do verossímil, gerando comparações com “Forrest Gump – O Contador de Histórias”, mas sem conseguir ocasionar o mesmo impacto emotivo e cômico. A noção de tempo também é perdida, dando a impressão, ocasionalmente, de que estamos diante de um inesquecível e longo, longo dia, por vezes interrompido por uma descompensada maldade protagonizada pelo personagem de Adam Scott, o grande vilão da trama.

Mas o Walter Mitty de Ben Stiller é carismático demais para não nos afeiçoarmos, nem que seja apenas um pouco, com sua vida secreta. Discreto no papel, mas também  com espaço para despejar seu potencial cômico algumas vezes (sua imitação de Benjamin Button é hilária), Stiller realiza uma das principais interpretações de sua carreira como ator. Já como diretor, ele confirma sua coragem para projetos difíceis, de risco, que se não são de completo sucesso, ainda guardam momentos de pura diversão.

Darlano Didimo
@rapadura

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