Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 12 de setembro de 2013

O Paciente Internado (2012): uma particular análise sobre a loucura

Em seu longa de estreia, diretor se aprofunda em temas polêmicos.

O Paciente Internado2No dia 05 de fevereiro de 1970, um homem tentou assassinar o presidente do México, Díaz Ordaz, como vingança pelo Massacre de Tlatelolco. Neste ataque, em 02 de outubro de 1968, mais de 300 estudantes foram mortos pelo exército mexicano. Por conta deste atentado, Carlos Castañeda de La Fuente foi preso e, ao longo de sua pena, passou por vários tipos de maus tratos. Hoje, mais de 40 anos depois, Alejandro Solar Luna, vem contar a história deste homem, que vive como mendigo nas ruas da Cidade do México.

“O Paciente Internado” tem início com o cadastramento de Don Carlos (modo como ele é chamado no decorrer da fita) em um abrigo para moradores de rua. O choque ao ver o estado em que ele se encontra é inevitável. Um homem visivelmente castigado, que traz em seu comportamento, por vezes psicótico e paranoico, as marcas dos abusos que sofreu.

Enquanto entrevista os personagens envolvidos em todo o período de encarceramento, Solar Luna lança um olhar sobre o modo desumano como pacientes psiquiátricos eram tratados até os anos 90. Essa situação começou a mudar somente depois de uma série de reportagens investigativas do programa local “Realidades”, em 1993.

Todos os depoimentos colhidos pela produção são fundamentais para a compreensão do que é mostrado em tela. A advogada Norma Ibanez, responsável pela “descoberta” do caso; os médicos do Hospital Samuel Ramírez Moreno, que “trataram” Don Carlos durante sua internação; o descaso do tutor, que foi designado pelo governo como responsável pelo acompanhamento do estado de saúde do paciente, e o irmão de Castañeda, que não tem condições de lhe dar um lar. À medida que o espectador se aprofunda naquela história, o horror e a revolta aumentam.

Com isso, abre-se espaço para vários questionamentos: Por que Don Carlos nunca foi levado a julgamento? Quais as razões para quase 40 anos de prisão? Como foi feito o diagnóstico de sua doença mental? Quem recomendou aqueles tratamentos? Por que não há qualquer registro deste atentado, nem na imprensa, nem nos arquivos jurídicos do país? Sempre que mantém o foco em Don Carlos, o filme ganha profundidade. O modo como ele próprio descreve as atrocidades a que foi submetido, na delegacia, na prisão e, principalmente, no hospital, é capaz de deixar os olhos do espectador marejados.

A fotografia é variada, pois cada tomada foi feita com um equipamento diferente. Portanto, há cenas realizadas com câmeras profissionais, amadoras, digitais e até mesmo com um telefone celular. Essa variedade reforça a qualidade do trabalho de montagem, que realizou a junção do material de forma coesa, especialmente na sequência de descrição do atentado.

O diretor também é hábil ao mostrar o fanatismo religioso presente nas ações de Castañeda. Ele lê a bíblia com frequência e sempre frequenta igrejas para pedir esmolas. O momento em que recita um breve silogismo para justificar o seu ato é um dos pontos altos da projeção. Apesar de sofrer pela falta de ritmo vez ou outra, “O Paciente Internado” atinge o objetivo de levantar a discussão sobre o tratamento dos desaparecidos políticos, em uma época obscura na história recente do México.

Esse filme fez parte da programação do 23º Cine Ceará – Festival Ibero-americano de Cinema, em setembro de 2013.

David Arrais
@davidarrais

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