Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 01 de abril de 2013

G.I. Joe – Retaliação (2013): sequência funciona quase como um reboot

Estreando no cinema de ação, o diretor John M. Cho até surpreende ao brincar com os Comandos em Ação nesta sequência, embora sérios problemas com a narrativa e com o próprio roteiro sabotem o cineasta.

É uma aposta segura afirmar que ao menos 80% dos meninos nascidos nos últimos 30 anos tiveram quando criança algum veículo ou figura dos “Comandos em Ação” (ou G.I. Joe). Em tempos da Guerra Fria, a ideia dessa franquia de brinquedos/animações/quadrinhos era bastante simples, colocando os coloridos e versáteis “heróis” (os Joes ou Comandos) contra os igualmente diversificados “vilões” (os membros da organização COBRA).

A despeito da longevidade da marca, o primeiro filme só veio em 2009, com “G.I. Joe – A Origem de Cobra”, longa regular que retratou de forma bem fantasiosa o início da luta entre essas facções, bem como o surgimento dos líderes destas, Duke (Channing Tatum) e o Comandante Cobra (lá vivido por Joseph Gordon-Levitt). Apelando para a nostalgia dos marmanjos e para a sede de explosões dos mais novos, a fita fez sucesso suficiente para garantir uma continuação, embora os donos da bola tenham ficado menos que satisfeitos com o produto em si.

Impossibilitados de fazer um reboot por conta do filme anterior ser tão recente e repleto de ganchos para sequências, os produtores aproveitaram tais deixas neste “G.I. Joe – Retaliação” para modificar quase tudo o que fora estabelecido antes, de modo deveras brusco, colocando no comando o diretor John M. Chu (“Justin Bieber – Never Say Never”), que surpreende nas cenas de ação, mas deixa a peteca cair no que concerne à narrativa.

Sai o foco internacionalizado da película passada e entra o “Real American Hero” que caracteriza a franquia em seu berço de origem, com os Joes sendo retratados como uma unidade do exército estadunidense. Além disso, o roteiro de Rhett Reese e Paul Wernick (“Zumbilândia”) dá algumas alfinetadas desnecessárias na Coreia do Norte ao mesmo que tenta se mostrar liberal ao criticar a Fox News, em uma tentativa de se mostrar atual e agradar a esquerda e a direita ao mesmo tempo.

Na trama, o vilão Zartan (Arnold Vosloo) assume a aparência e o lugar do presidente norte-americano (Jonathan Pryce) e liberta o Comandante Cobra (Luke Bracey). Os dois, ao lado de Storm Shadow (Byung-hun Lee) e do explosivo Firefly (Ray Stevenson), põem em prática um plano que colocará o mundo sob o jugo da COBRA.

Eles dizimam os Joes em uma ação que devasta seus rankings e a imagem pública da corporação. Os únicos que escapam do ataque são o experiente Roadblock (Dwayne Johnson), a bela Lady Jaye (Adrianne Palicki), o impetuoso Flint (D.J. Cotrona) e os ninjas Snake Eyes (Ray Park) e Jinx (Elodie Yung). Sem apoio, desprovidos de seus equipamentos e transformados em renegados, o grupo busca reforços com o fundador dos Comandos, o aposentado General Joe (Bruce Willis).

Reese e Wernick basicamente pegaram parte do roteiro de “Missão: Impossível – Protocolo Fantasma” e o refizeram com ninjas. E o plot envolvendo esses guerreiros orientais, apesar dos visuais bacanas dos personagens e de gerar a cena de ação mais interessante do longa, nunca parece se encaixar com o resto, correndo em paralelo com o pilar principal do script e quase não o influencia.

Os roteiristas fazem verdadeiros malabarismos para tentar justificar a trama envolvendo Snake Eyes e Storm Shadow, incluindo aí um twist insano e mal ajambrado para embasar uma mudança temporária na dinâmica entre eles. A adição de Jinx e do Blind Master (RZA) incha ainda mais o subplot, com essas figuras surgindo basicamente do nada, não tendo nenhum desenvolvimento e castigando os atores com diálogos ridículos e excessivamente expositivos.

Nisso, o filme engancha mais de uma vez na transição entre os eixos ocidental e oriental apresentados, prejudicando a fluência da montagem, algo primordial em um bom filme de ação. Voltando à trama central, esta é salva por alguns atores que mergulharam fundo no espírito juvenil que uma produção dessas deve representar. Os melhores nesse quesito são certamente Dwayne Johnson e Jonathan Pryce.

Nos mocinhos, Johnson assume o posto de protagonista sem seus monstruosos ombros, injetando um carisma que faltou a Tatum na fita anterior, realmente se divertindo a cada segundo como o herói de ação que é. O ator D.J. Cotrona não faz nada digno de nota com seu Flint, sendo uma presença negativa em cena, enquanto Adrianne Palicki empresta suas curvas a Lady Jaye e faz com que os problemas paternos de sua personagem elevem a presença de Bruce Willis no filme a algo além de uma ponta glorificada, com os dois tendo uma boa química na tela com as piadas machistas do eterno John McClane.

Do lado dos vilões, o veterano Jonathan Pryce, em um papel duplo, prende a atenção do público com seu anárquico Zartan, um homem tão cínico e insano que consegue jogar “Angry Birds” despreocupadamente no celular enquanto ameaça destruir o mundo. O Firefly de Ray Stevenson também prima pela canastrice do ator, em um bem-vindo overacting. Os desempenhos de Pryce e Stevenson apagam por completo o Comandante Cobra, que deveria ser o antagonista principal da franquia. Vai entender!

Mas todos sabem que o verdadeiro astro aqui são as cenas de ação e estas são muito bem conduzidas e deveras bem coreografadas, se mostrando espalhafatosas na medida certa. Um destaque especial vai para a luta nas montanhas que envolve os ninjas, mesmo com a falta de sangue nas espadas incomodando um pouco. Esta sequência sozinha já paga o ingresso 3D, o que prova que o ano em que o filme ficou sendo convertido para o formato valeu a pena.

Note-se que os veículos extravagantes, uma marca registrada da série, são poucos e quase todos do lado dos COBRA, não só por exigência da trama, mas também para fortalecer ainda mais a conexão entre os Joes e os soldados reais dos EUA. Só isso explica a inclusão dos soldados antigos amigos do General Joe, que jamais chegam a fazer qualquer coisa. Semelhanças com a inclusão de veteranos militares em “Battleship – A Batalha dos Mares” e “Transformers – O Lado Oculto da Lua”, ambos também baseados em produtos da Hasbro, não são mera coincidência.

Quem for assistir a “G.I. Joe – Retaliação” apenas por nostalgia e pelas cenas de ação, deve sair razoavelmente satisfeito do cinema, especialmente por conta do bom trabalho de Dwayne Johnson e Jonathan Pryce. No entanto, quem for esperando uma história minimamente bem contada com algo um pouco além de diversão descerebrada, certamente irá se decepcionar.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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