Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 04 de março de 2013

Hitchcock (2012): cinebiografia mostra o homem por trás do gênio

Com deslizes e acertos, filme exibe curiosidades sobre as filmagens de “Psicose” e, principalmente, a relação de dependência entre o diretor e sua amada esposa.

HitchcockComo já é notório para o grande público, algumas ideias “originais” de Hollywood não nascem sozinhas. Em 2012, o caso mais conhecido foi a dupla adaptação de livros sobre o gênio máximo do suspense cinematográfico, Alfred Hitchcock. Mas se o telefilme “A Garota” ocupa-se em mostrar a obsessão do diretor por sua protagonista Tippi Hedren durante as filmagens de “Os Pássaros” e “Marnie – Confissões de uma Ladra”, “Hitchcock” opta por um caminho menos tortuoso, mais seguro (em mais um exemplo da superioridade das produções televisivas sobre a cinematográficas). O amor do diretor por sua esposa, Alma Reville, é o foco, mas ainda sobram vários curiosos momentos para acompanharmos sua atuação como cineasta, durante as gravações de uma de suas várias obras-primas, “Psicose”.

A trama tem início exatamente quando Hitchcock (Anthony Hopkins) começa sua busca por uma nova história para levar para a tela grande, logo após “Intriga Internacional”. Os roteiros, que chovem em suas mãos, parecem inapropriados, demasiadamente convencionais. O livro “Psycho”, porém, soa inspirador e, ao mesmo tempo, desafiador. E os desafios surgem antes mesmo das filmagens, sendo o principal deles convencer o estúdio a financiar ou ao menos distribuir a obra. Se a convencional ajuda de sua mulher Alma (Helen Mirren) é essencial na finalização do roteiro, sua falta é sentida quando ela decide envolver-se em projetos próprios, dando início a um período de desconfiança e insegurança no famoso marido.

Diferentemente de “A Garota”, em que o diretor mais parece um personagem saído diretamente de um de seus longas de tão obscuro e misterioso que é, aqui nos deparamos com um Hitch (como é chamado pelos mais próximos) mais cômico, menos intimidador, combinando com o tom leve do filme, que parece preocupado em desmistificá-lo como homem e profissional. A primeira cena já demonstra essa intenção, exibindo-o falando com o espectador, apresentando-o à história que acompanhará nos próximos noventa minutos. E o que vemos é um filme divertido, de momentos curiosos, mas que não passa de uma cinebiografia de estrutura convencional.

Escrito por John J. McLaughlin, adaptado da obra “Alfred Hitchcock and The Making of Psycho”, de Stephen Rebello, o roteiro tenta, em seus primeiros minutos, balancear o Hitch marido com o Hitch cineasta. No entanto, à medida que a trama avança e se torna quase impossível suportar a inexpressividade e a imitação (sim, a sua performance não passa de uma imitação) de Anthony Hopkins por trás de uma prótese, a figura de Alma Reville, encarnada por uma vibrante Helen Mirren, vai ganhando atenção, conquistando o público. E por mais que não haja nada de extraordinário nos acontecimentos apresentados, é interessante observar a dependência dele pela esposa (e não o contrário) e sua posterior insegurança como marido.

A relação seria melhor desenvolvida caso McLaughlin não fosse tão medroso no tratamento que dá ao seu personagem principal. Em diversos momentos, a impressão é de que estamos vendo um robô com sentimentos limitados e com frases feitas na ponta da língua, apenas esperando o momento certo para despejá-las. São raras as sequências em que vemos verossimilhança no olhar e nos gestos de Hitchcock, como na cena em que acaricia rapidamente o rosto da esposa à beira da piscina ou na que pega uma carona com a estrela de “Psicose”, Janet Leigh (Scarlett Johansson). Em todas as outras, até mesmo quando o onírico é erroneamente introduzido, ele não passa de um estereótipo.

No entanto, o longa se torna uma peça bastante interessante quando foca sua trama na produção do filme de 1960, exibindo, sem riqueza de detalhes, vale ressaltar, os fatos mais importantes que circundaram a produção da obra-prima, indo desde a busca pela história até a reação da crítica e do público com o lançamento. E são nesses momentos em que diretor Sacha Gervasi, em seu primeiro trabalho de ficção, se destaca, sem deixar o ritmo cair, remontando cenas históricas com o devido respeito e revelando os bastidores de uma Hollywood clássica, ainda cheia de censura.

Para os fãs do cineasta menos fervorosos, “Hitchcock” vale, nessas sequências, como obra que desperta surpresa e risos (nada além), seja devido aos motivos que levaram o próprio Hitchcock a financiar o filme, a escolher suas atrizes, a selecionar a trilha sonora, seja devido aos motivos que fizeram a Paramount desconfiar do projeto, seja devido à forma curiosa com que algumas cenas foram gravadas, com destaque para o clássico banho ensanguentado de Marion Crane.

O longa diverte ainda ao colocar seu personagem principal em situações inimagináveis, como espiando, de fora da sala, com apreensão incomum, a exibição de “Pscicose”. No mais, não há nada de extraordinário ou imperdível no longa de McLaughlin e Gervasi que uma simples leitura ou pesquisa não possam revelar. No entanto, se há um grande mérito no filme é provocar no espectador a vontade de revisitar ou assistir pela primeira vez o clássico cuja produção retrata.

Darlano Didimo
@rapadura

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