Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

A Caverna dos Sonhos Esquecidos (2010): relíquia histórica é tema de doc

Werner Herzog dirige documentário didático sobre reduto das mais antigas pinturas rupestres da humanidade.

03-caverna-dos-sonhos-esquecidosEm 1994, exploradores franceses descobriram na região sul do país uma fenda na inóspita região do rio Ardeche. A saída de ar, para alegria do grupo, indicava que ali existia uma gruta inexplorada. O que não esperavam era que ali estava uma das mais importantes relíquias históricas da civilização: uma caverna que contava com as mais antigas pinturas rupestres da História, duas vezes mais antigas do que as que, anteriormente, se tinha notícia.

Entre os responsáveis pela produção estão o History Channel e o Ministério da Cultura Francês que, percebendo a mina de ouro que tinha em seu território, aproveitou a oportunidade para injetar um farto investimento e permitiu acesso livre do renomado cineasta alemão Werner Herzog. Com uma sólida filmografia, que inclui longas premiados como “Fitzcarraldo” e “O Enigma de Kaspar Hauser”, além dos documentários “Encontros no Fim do Mundo” e “O Homem Urso”, Herzog se embrenhou no local dando origem a “A Caverna dos Sonhos Esquecidos”, longa que estreia em São Paulo, em 3D, após mais de um ano de atraso de seu debute no Rio de Janeiro.

Vencedor do National Society of Film Critics Awards de 2012 na categoria de Melhor Filme Não-Ficção, o longa explora minuciosamente a Caverna Chauvet (batizada em homenagem ao explorador Jean-Marie Chauvet, líder da empreitada). Com um epílogo simbólico, em que cenas aéreas com câmeras dão movimento a um lugar perdido no tempo e espaço, e preenchido por cantos gregorianos, somos levados ao interior do local, que conta com pinturas datadas de mais de 32 mil anos.

Com uma bem cuidada estrutura, incluindo uma porta de aço em sua entrada e passarelas distribuídas para que os resquícios em seu solo não fossem afetados pelos visitantes, Herzog participou das filmagens com paleontólogos, geólogos e historiadores de arte. De início, com uma câmera não-profissional, “A Caverna dos Sonhos Esquecidos” começa com imagens tremidas, não favorecidas pelos feixes de lanternas que tentam iluminar e expor ao público o que vem pela frente.

No decorrer do filme (e com equipamentos de melhor qualidade), as gravações passam a analisar, nos mínimos detalhes, o vasto conteúdo que ali repousa: nas paredes rochosas, em suas mais diversas formas causadas por alterações geológicas, inúmeras pinturas impecavelmente bem conservadas contam o universo do período Paleolítico, como manadas de animais (leões, rinocerontes, lobos, cavalos) e suas relações com outros humanos que ali estiveram. Além disso, a própria interferência animal dentro do local, como os arranhões de ursos nas paredes, em épocas distintas separadas por outros tantos milhares de anos, permeiam toda a arte rupestre analisada.

A partir desta premissa, “A Caverna dos Sonhos Perdidos” se embrenha em um didatismo necessário, porém cansativo. Com uma narração em off arrastada e sonolenta do próprio Herzog, o longa ainda tenta manter a linha e prender a atenção do espectador (apesar do ritmo naturalmente lento), mas as incontáveis suposições contidas nos depoimentos de especialistas tornam o episódio uma aula de História que se rende ao documentário didático televisivo.

Em tais análises, ora vazias, ora deveras técnicas, diversos artefatos encontrados na Caverna Chauvet passam pelas mãos dos profissionais e são estudados em sua estrutura, função e modo de uso (em cenas que, convenhamos, beiram o risível), além de dados sobre o mapeamento total do local em dados oficiais e as alterações no clima, flora e fauna que separam passado e presente. Um deslize de uma obra que, apesar de tratar-se de um documentário, não foi capaz de se manter na linha entre o didata e o entretenimento.

Porém, é necessário reconhecer que, apesar de tudo, o longa ainda se esforça para discutir a importância histórica e antropológica diante de tal descoberta para a civilização moderna. Sem muitos floreios, Herzog joga as questões e espera que sejam digeridas pelo espectador com certas doses filosóficas. O mérito ainda se segura ao expor a questão das imagens que remetem ao 3D (por conta do relevo das paredes) e das sombras das tochas que, provavelmente, entretinham os nossos antepassados em jogos de luzes que, no longa, são exemplificados com uma inserção do astro Fred Astaire dançando diante de suas sombras em “Ritmo Louco”.

Lento e contemplativo (as pinturas, obviamente por tratar-se de um documento histórico, são mostradas à exaustão em diversos planos e closes), o documentário se agarra a um encantamento que abusa de expressões como “um local congelado pelo tempo” e “uma cápsula do tempo perfeita”, além de comparar o local com poesias, quadros e, até mesmo, uma ópera de melodrama. De fato, uma obra de público específico, mas que corre o risco de não passar de um exercício histórico cansativo.

Léo Freitas
@LeoGFreitas

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