Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 18 de dezembro de 2012

O Hobbit – Uma Jornada Inesperada (2012): Peter Jackson volta à Terra-média em ótima forma

Primeiro longa da nova trilogia que adapta a obra de J.R.R. Tolkien lida bem com as demandas do público de "O Senhor dos Anéis" e com as expectativas dos fãs da obra literária, conferindo seriedade a uma história originalmente infanto-juvenil sem prejuízo deste caráter.

Quase uma década após o encerramento da trilogia “O Senhor dos Anéis” no cinema, o diretor Peter Jackson retorna à Terra-Média para contar uma história anterior à de Frodo (Elijah Wood). “O Hobbit”, livro de J.R.R. Tolkien que inaugura esta mitologia criada pelo próprio autor, segue as aventuras de Bilbo Bolseiro (Ian Holm/Martin Freeman) sessenta anos antes da épica jornada de seu sobrinho.

O filme começa com um prólogo que nos situa no contexto geral da trama. O rei dos anões Thror (Jeffrey Thomas) conseguiu acumular uma enorme quantia de ouro, o que atraiu a atenção do dragão Smaug para seu reino em Erebor. Sendo expulsos de sua terra natal, os anões tentam reaver o que é seu anos mais tarde, mas são quase derrotados por um exército de orcs. Thorin (Richard Armitage), neto de Thror, decide liderar uma expedição com mais doze anões para novamente tentar tomar sua terra do dragão Smaug.

Paralelo a isso, o pacato hobbit Bilbo Bolseiro tem uma vida tranquila e previsível no Condado, de onde não costuma sair, garantindo sua segurança e “felicidade”. Porém, guiados pelo mago Gandalf (Ian McKellen), Thorin e os doze anões chegam à sua casa de repente para lhe fazer uma oferta inesperada: segui-los na expedição rumo à Erebor com a função de ladrão do bando. Após muita dor de cabeça e hesitação, Bilbo acaba aceitando a proposta, encarando o mundo do qual há anos tinha se isolado.

Os roteiristas que adaptaram a obra literária – Fran Walsh, Philippa Boyens, Peter Jackson e Guillermo Del Toro – lideram muito bem com a grande dificuldade de transpor uma história originalmente juvenil para algo um pouco mais próximo da atmosfera dramática de “O Senhor dos Anéis” – visto que o público é praticamente o mesmo – sem perder o tom humorístico do livro, que também conta com diversas canções que foram apresentadas de forma menos infantil no filme.

Durante o primeiro ato, o enredo parece pouco atrativo justamente por se ater mais a cenas de humor leve sem uma construção de personagens apropriada que justifique a extensão das sequências. Entretanto, uma vez que a premissa é estabelecida e a história começa a caminhar de fato, o ritmo melhora bastante. Embora Gandalf e Thorin se destaquem mais nos feitos que conduzem a narrativa, Bilbo ainda consegue se impor como protagonista, mesmo que timidamente. Isto porque ele é o único que evolui como pessoa durante a história, concluindo um arco simples, mas bem definido para a introdução do personagem.

As atuações que mais se destacam são as de Ian McKellen e Martin Freeman. McKellen, que domina boa parte da produção, dispensa elogios por já ter firmado seu personagem como um dos mais queridos da Terra-Média, e aqui novamente demonstra como se diverte no papel e realmente vive o personagem.

Freeman, mais conhecido por séries de televisão como The Office (a versão original inglesa) e o atual Sherlock, pela primeira vez interpreta um papel de grande apelo comercial nas telonas – aliás, podemos perceber algumas semelhanças com seu Arthur Dent em “O Guia do Mochileiro das Galáxias” que, assim como Bilbo, sai de uma vida sem graça para uma grande aventura de larga escala. O ator convence na pele do hobbit tanto nos momentos humorísticos, onde tem liberdade para seu estilo inglês de comédia, como nos de maior carga dramática e tensão, embora ainda fique a dúvida se terá oportunidade de ser tão icônico quanto Frodo no decorrer desta nova jornada (que na verdade, é a velha).

Não poderíamos falar de atuação sem mencionar Andy Serkis, que novamente dá vida à Gollum em uma participação relativamente pequena, mas intensa. Desta vez, com o avanço da técnica de captura de movimentos deste o último filme da Trilogia do Anel, Serkis pode conferir mais personalidade à criatura através de expressões faciais e corporais que ficam melhor preservadas no resultado final, roubando totalmente a cena.

Falando em técnica, este aspecto é impecável no longa. Desde os excelentes efeitos visuais de Matt Aitken, que tornam algumas criaturas tão realistas a ponto de ficarmos em dúvida sobre sua veracidade, passando pela criativa maquiagem de Michele Barber, Anna de Witt, Nancy Hennah, e Flora Moody que constrói um teor orgânico a cada personagem individualmente, até a belíssima fotografia de Andre Lesnie, que tira muito proveito dos surpreendentes cenários naturais da Nova Zelândia.

Sobre o trabalho de Lesnie, é válido destacar a iluminação saturada – com a luz branca do sol quase estourada – durante o prólogo, conferindo um ar de fantasia, sonho e tranquilidade, pois vemos um Bilbo idoso e saudosista, enquanto as sombras e as cores frias são mais aproveitadas no desenrolar do filme, que conta a história de sua aventura cheia de perigos.

É injusto comparar “O Hobbit – Uma Jornada Inesperada” a qualquer filme da trilogia “O Senhor dos Anéis”, pois cada um parte de uma proposta diferente. Enquanto o primeiro foi concebido como uma curta história infanto-juvenil, o segundo é mais adulto, sombrio e longo. Peter Jackson, grande fã da obra de Tolkien, tem o conhecimento e o respeito necessários para saber lidar com essas diferenças e adequá-las a fim de construir uma unidade cinematográfica para este universo.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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