Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Amanhecer – Parte 2 (2012): uma lição de como autodestruir seu filme

Franquia chega ao fim com o seu melhor capítulo que, mesmo assim, é uma experiência cinematográfica frustrante.

Como a própria distribuidora enfatiza no imenso título nacional, este “Amanhecer – Parte 2” é o final da “Saga Crepúsculo”. Enquanto alguns cinéfilos comemoram o fato mais que o Galvão Bueno no Tetra da Seleção Brasileira, resta saber se este último capítulo faz jus ao resto da série. Para sorte do público, no entanto, este longa é bastante superior aos seus patéticos antecessores. Ao menos até desabar sobre si mesmo de maneira irremediável.

Aqui, temos uma fita que se mantém, mesmo que marginalmente, ao norte da linha do suportável durante boa parte da projeção, apesar de persistirem os diálogos terríveis que são característicos dos roteiros de Melissa Rosenberg para a “saga” e a falta de aprofundamento na própria mitologia.

A melhora na qualidade do filme se deve a uma pegada mais bem humorada por parte do diretor Bill Condon e uma pluralidade maior de personagens, tirando um pouco o foco dos três protagonistas. A dinâmica entre o trio, aliás, foi bastante modificada em relação aos longas passados, justamente por conta dos eventos da Parte Um.

Na trama, Bella (Kristen Stewart) sobrevive ao complicado nascimento de sua filha com Edward (Robert Pattinson), tornando-se uma vampira. Enquanto isso, Jacob (Taylor Lautner) aprofunda sua fascinação pela pequena recém-nascida do casal vampiresco, Renesmee (Mackenzie Foy), que cresce em um ritmo acelerado e, com poucos meses de idade, alcança um amadurecimento mais ou menos equivalente aos 10 anos.

A rotina de felicidade é interrompida graças a um mal-entendido, que coloca o clã Cullen na alça de mira dos Volturi, a realeza dos vampiros, liderada pelo ambicioso Aro (Michael Sheen). Reunindo aliados em várias partes do mundo, Bella e sua nova família, além dos lobos de Jacob, se preparam para a batalha vindoura, que definirá a balança de poder no mundo dos imortais. Ou não.

A apresentação dos amigos dos Cullen tem consequências diversas para a narrativa. Por um lado, mostra uma aparente ignorância de Stephanie Meyer quanto a outros povos, apelando sempre para estereótipos ao apresentar culturas fora dos Estados Unidos, como quando coloca vampiras brasileiras surgindo para ajudar Edward e Bella como índias, sendo que uma se chama Senna (sim, com DOIS “n’s” igual ao piloto de Fórmula 1).

No entanto, alguns desses novos personagens são muito mais interessantes que os tediosos Cullen, como o patriota estadunidense Garrett (Lee Pace) e o indiano Benjamim (Rami Malek), cujos comportamentos realmente espelham toda a bagagem que a idade desses imortais deveria trazer.

Os problemas típicos da série persistem, como os péssimos diálogos, o visual brega (complementado por efeitos terríveis, mesmo com o inflado orçamento de US$ 75 milhões) e o total desinteresse da trama em explicar alguns de seus pontos principais, como os superpoderes individuais dos vampiros (que variam desde manipulação dos elementos até controle sobre a escuridão).

Essas dificuldades acabam dirimidas pelo humor que, voluntariamente ou não, é impresso na produção pelo diretor Bill Condon e pelo elenco, especialmente pelo experiente Michael Sheen (em um overacting hilário) e – pasmem – por Robert Pattinson, cujo Edward parece ter sido o maior beneficiado pela independência que Bella ganhou ao se tornar vampira, se mostrando um pouco mais solto e engraçado, reagindo melhor às situações, em ótimas interações com Bella e Jacob.

Por falar no lobo depilado, acabando com o triângulo amoroso antes existente, Jacob agora só se interessa por Renesmee, a quem chama carinhosamente de Nessie (como o Monstro do Lago Ness). Se já não fosse bastante perturbador ver Taylor Lautner correndo apaixonado por uma garota de dez anos de idade, ainda temos um diálogo onde Jacob pergunta para Edward se pode chamá-lo de “papai”, tendo em vista a sua intenção de se casar com, repito, uma garota de dez anos de idade, com quem Lautner não tem a menor química, aliás. Diga-se de passagem, a melhor cena do jovem ator no filme é quando ele tira a roupa na frente do pai de Bella, e tudo isso por conta do timing cômico de Billy Burke.

Já a Bella de Kristen Stewart é a personagem que passou por mais modificações e, embora Stewart não esteja mais tão apática, a menina (uma boa atriz em outros papéis) ainda parece incapaz de ter mais que duas expressões faciais quando encarna a “heroína”, por mais que ela ganhe conflitos que realmente valham a pena ser explorados.

Graças à paralisia facial de Stewart, jamais sentimos o carinho entre Bella e Renesmee, as cenas dela tentando agir como ser humana são constrangedoras (até porque ela era humana até cinco minutos antes e parece ter esquecido disso) e, para variar, os atos da protagonista não geram nenhuma consequência para ela, em uma ótima mensagem para as jovens fãs (só que não).

E aqui entramos naquilo que realmente derruba “Amanhecer – Parte 2: O Final”. As fãs vão começar a reclamar dizendo que “era assim no livro” (não sei por não ter lido a obra original), mas é algo que realmente arruína um filme que caminhava razoável até ali. Esse ponto de virada, que ocorre durante a tensa e bem conduzida batalha entre os aliados dos Cullen e os Volturi, basicamente nulifica metade do terceiro ato e invalida momentos de catarse importantes e fortíssimos, no que só pode ser descrito como covardia por parte de Stephanie Meyer e da roteirista Melissa Rosemberg.

É engraçado não ter sido o visual brega, os efeitos toscos, os diálogos ruins, a inexpressividade de Kristen Stewart ou o lobisomem (tá bom, transmorfo) pedófilo que acabaram por efetivamente matar esse filme. O responsável por tornar essa conclusão tão frustrante foi um dos clichês mais antigos do cinema (usado até mesmo no recente “Selvagens”, de Oliver Stone).

Muita coisa é deixada em aberto, especialmente o destino de alguns personagens relevantes e até mesmo uma questão central pontuada no primeiro terço da projeção.  Portanto, esse tão prometido “final” pode muito bem não ser a última vez que vemos Bella, Edward e Jacob nas telas. Oremos.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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