Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 02 de setembro de 2012

Os Mercenários 2 (2012): Chuck Norris Ex Machina

Atuações carismáticas e canastronas, tiradas de humor auto-depreciativas e cenas de ação competentes podem até não transformar esta produção em um clássico da sétima arte, mas resultam em uma divertidíssima homenagem a toda uma geração que criou o cinema de ação oitentista.

Em condições normais de temperatura e pressão, “Os Mercenários 2” seria um péssimo filme. Durante a projeção, temos péssimos efeitos digitais, alguns diálogos sofríveis e rombos no roteiro tão presentes quanto aqueles dos corpos que surgem durante a trama. Mas não temos condições comuns aqui e esta produção não se dispõe a dialogar com sua plateia em situações ordinárias.

Confesso que não engoli a proposta dessa produção de cara. Durante os 103 minutos da produção, o que temos é uma viagem desenfreada e desavergonhada ao cinema brucutu oitentista e, embora isso prejudique bastante a película como produção audiovisual, a torna superior ao original como experiência cinematográfica. Não se trata de um exemplo do imbecil ditado “deixe seu cérebro em casa e divirta-se”. O filme funciona apenas para quem levar o cérebro para o cinema, a não ser que você guarde suas memórias em outro órgão do seu corpo, como… sei lá, no fígado.

O aparente paradoxo do parágrafo passado é explicado por um simples fato: “Os Mercenários 2” não conversa com as áreas responsáveis pelo raciocínio lógico da nossa massa cinzenta, mas com aquelas responsáveis por nossas lembranças afetivas de um tempo mais simples, no qual nossas telas (grandes e pequenas) eram empapadas de sangue falso e de protagonistas que atiravam primeiro, atiravam depois, continuavam atirando e que só tentavam fazer alguma pergunta depois que todos os inimigos morriam.

Ao contrário do primeiro exemplar da franquia que, mesmo com toda a tosqueira, ainda se levava relativamente à sério, aqui Sylvester Stallone, seus “amigos” e o diretor Simon West chutaram o pau da barraca. O que temos é um mash-up de clichês, frases feitas e heróis dos anos 1980 amarrados por um fiapo de trama e que, para ser efetivo, dependem muito do carinho que seu público tem pelo quadrado mágico da pancadaria (Sly + Bruce Willis + Arnold Schwarzenegger + Jean-Claude Van Damme).

Na fita, os Mercenários liderados por Barney Ross (Stallone) são obrigados pelo Sr. Church (Willis) a irem à Europa Oriental para reaver uma caixa. Emboscados por um grupo de bandidos chamados Sangs, liderados pelo sádico vilão chamado Vilain (Van Damme), nossos heróis irão até seus limites contra esses novos inimigos, lutando por suas vidas, por vingança e pelo mundo.

No universo dessa continuação, action heroes aparecem do nada quase como pokémons selvagens, aviões são invocados como que por mágica mesmo estando extremamente distantes, brigas sempre possuem tempo para piadinhas, personagens são literalmente jogados para fora da história, mulheres tem um papel terciário (se tanto) e Dolph Lundgren fez mestrado em química no MIT (ops, essa parte aconteceu na vida real!).

Enquanto ver Sly, Arnold e Willis fora da igrejinha do primeiro filme e finalmente chutando bundas juntos é tão espetacular quanto os fãs poderiam esperar e os outros Mercenários continuam deveras efetivos (embora Jet Li seja jogado para escanteio, algo que também acontece, em menor nível, com Randy Couture), ninguém poderia adivinhar que as grandes surpresas desta parte dois seriam dois “novatos”: Chuck Norris e Van Damme.

Norris encarna a “lenda” que virou febre na internet nos últimos anos de maneira genial, garantindo gargalhadas em cada momento  que surge em cena. Van Damme, por sua vez, está exageradamente perfeito como Vilain, que é vilão até no nome, com seu sotaque carregadíssimo e jeito maior que a vida demonstrando de pronto quão cartunesco é o seu personagem.

Se existe um defeito no filme que realmente atrapalha um pouco a diversão é a completa falta de tensão durante a narrativa, tendo em vista que os heróis principais jogam no chamado “modo deus”, com nada sendo capaz de feri-los e suas balas sempre atingem o alvo, mesmo quando eles não miram (ou seja, respeitando todas as convenções que foram alvo de piadas no subestimado “O Último Grande Herói”). Considerando que os atores não estão interpretando personagens na tela, mas caricaturas de suas personas cinematográficas, é algo que faz sentido, mas que não deixa de matar qualquer suspense quanto ao transcorrer das lutas e tiroteios.

Fora isso, os péssimos diálogos são compensados pelo clima e pelo carisma dos atores e os efeitos especiais ruins acabam trabalhando bem com o clima absurdo e totalmente irreal das cenas de ação coordenadas por Simon West. Dessa forma, “Os Mercenários 2” não deve ser encarado como algo sério, mas como uma grande brincadeira de “Polícia e Ladrão” entre amigos (meio que entrando na terceira idade, diga-se) capturada em celuloide, que acaba sendo uma experiência bastante proveitosa para quem cresceu assistindo essa patota acabar com terroristas e criminosos.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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