Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Um Divã para Dois (2012): comédia se revela uma ótima surpresa

Abordagem intimista e elenco experiente constroem uma história de amor singela e bem humorada.

Em uma época onde as comédias românticas são dominadas por adolescentes e jovens adultos, privilegiando e supervalorizando o caráter teen da sociedade contemporânea, é no mínimo um alívio se deparar com algo voltado para outro tipo de público. Neste sentido, “Um Divã para Dois” é o diferencial mais recente deste gênero, focando os desejos e as dificuldades de um casal de meia-idade.

Casados por 31 anos, Kay (Meryl Streep) e Arnold (Tommy Lee Jones) atravessam um grande e desconfortável problema que não é exposto verbalmente por nenhum dos dois, mas ambos sabem que ele existe. Não há brigas, não há traições, só há inquietude. Ambos vivem bem em sua pacata e silenciosa casa, onde nada parece sair do normal. Este é o problema – a rotina, a ausência de planos para o futuro, o sentimento de amor enorme e contido.

A TV a cabo recém-adquirida como presente de casamento revela a perda de ousadia, de juventude, de individualidade. A vida a dois subjugou as necessidades particulares de cada um ao longo dos anos, tornando os benefícios da casa uma prioridade sobre o “capricho” de um presente dado direta e exclusivamente a alguém. Eles sentem falta de algo, mas apenas Kay não consegue se conformar. Para ela, o status quo é mais apavorante do que qualquer mudança drástica, seja para melhor ou pior.

Todas estas necessidades se concentram na mais intensa e imediata delas: o sexo. Obviamente, não se trata apenas disso, mas é este elemento que se apresenta como porta-voz de todos os anseios daquele casal. Porém, ironicamente, não é tão fácil conseguir isso de seu parceiro conjugal de décadas. Não pela falta de vontade, mas por todo o constrangimento que esse tipo de necessidade, naquele contexto e idade específicos, gera.

Percebendo que suas investidas não alcançam o retorno esperado por parte do marido, Kay decide tomar a iniciativa de inscrevê-los em uma terapia de casal. Para isso, terão que sair de sua cidade, de sua rotina, do lugar comum, para ir ao encontro de Dr. Feld (Steve Carell). Após Kay insistir pela cooperação de Arnold sem sucesso, este acaba se rendendo na última hora e eles partem rumo à oportunidade que pode salvar seu casamento ou arruiná-lo de vez.

O elenco é extremamente bem selecionado. Poucos atores conseguiriam equilibrar tão naturalmente a comédia e o drama em seus personagens como Streep e Lee Jones. Somente profissionais com o calibre e currículo destes sustentam um filme sozinhos, demonstrando uma química perfeita e maravilhosas atuações que não deixam dúvidas sobre a psicologia de suas personas. É de se esperar que Carell fique meio apagado entre os dois protagonistas, embora também cumpra seu papel. Isto não é um defeito, e sim uma opção muito bem pensada pelo diretor David Frankel (que dirigiu “O Diabo Veste Prada“, também com Streep), que se aproveita do talento de seus atores para manter uma abordagem sempre intimista em relação ao casal.

Isto é construído por meio de planos fechados, aproximando o espectador dos personagens e nos mantendo confortáveis no ambiente em que eles se encontram, seja a casa, o quarto de hotel ou o consultório do terapeuta. A direção de arte de Patricia Woodbridge é bastante efetiva ao compor uma atmosfera aconchegante para o público. A utilização do espaço físico na disposição dos personagens, mais especificamente nas cenas de terapia, são elaboradas de forma simples e inteligente, representando a evolução ou regressão do “tratamento” por meio da variação da distância entre Kay e Arnold no sofá. A economia de trilha sonora também é um elemento favorável a este caráter íntimo, pois quando usada apenas em cenas de transição ou sem diálogos valoriza as falas e os silêncios previstos no roteiro de Vanessa Taylor.

Roteiro este muito bem estruturado e paciente na construção dos personagens e no desenrolar da história. Apesar do final previsível, o percurso que leva até ele é tão singelo e descontraído que permite ao espectador situar-se apenas no momento do filme, preocupando-se com os personagens naquele instante de suas vidas, sem que haja a necessidade de pensar a respeito do que há por vir.

Com um elenco carismático e talentoso representando um drama comum à vida de muitos, independente da idade, “Um Divã para Dois” é a prova de que boas comédias românticas não precisam seguir fórmulas estruturais, temáticas ou contextuais. Por meio de uma proposta simples que tenta reaver apenas o que há de essencial em qualquer relação amorosa, este filme se constitui como um dos melhores do gênero atualmente.

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Thiago César é formado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mas aspirante a cineasta. Já fez cursos na área de audiovisual e realiza filmes independentes.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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