Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

127 Horas (2010): uma história sobre superação e força de vontade

História de um homem sozinho preso em uma situação-limite ganha uma versão acelerada e emocionante nas mãos do diretor de "Quem Quer Ser um Milionário?"

Para o bem e para o mal, o cinema de Danny Boyle (“Trainspotting”, “Extermínio”) é hiperbólico e apoiado na edição. Suas histórias dependem de como as imagens são justapostas e parte do vigor narrativo de seus filmes é proveniente de uma montagem acelerada e dinâmica.  Alguns veem nisso a grande qualidade do diretor, na medida que seus trabalhos são ágeis e envolventes. Outros apontam esse como seu principal defeito, já que o cineasta seria incapaz de contar uma história sem as habituais firulas estéticas que transformam os filmes em verdadeiros experimentos audiovisuais sensoriais demais e emocionais de menos.

“127 Horas”, seu novo trabalho, também tem uma edição ágil e parte do princípio que fez a fama de Boyle. A montagem é a força motriz do longa, aliado a uma trilha musical que cumpre um papel importante e uma fotografia que remete à estética publicitária. Mas ao mesmo tempo que o cineasta não tira o pé do acelerador e enche o espectador com imagens e mais imagens, o longa não deixa de ser um trabalho mais contido de Boyle. Isso porque a carga emocional do filme não depende só do visual do longa, mas recaí sobre a atuação de James Franco.

Franco (indicado ao Oscar pelo papel) vive um jovem aventureiro que parte para mais um final de semana em trilhas no meio do nada. Entre uma escalada e outra, o rapaz escorrega e se vê com o braço preso por uma pesada rocha. A trama é essa, simples e direta. É aí que “127 Horas” deixa de ser um mero passeio estilístico de Boyle em meio a rochas e vira um filme para fazer James Franco brilhar.

Entre flashblacks que apresentam um pouco do personagem e tentativas fracassadas do alpinista se livrar do enrascada em que se meteu, assistimos a um ator mostrar todo o talento em um papel que lhe demanda tanto física quanto psicologicamente. Cheio de carisma, Franco conquista o espectador a cada alucinação, arroubo de fúria ou demonstração de medo e evita que “127 Horas” seja apenas mais um filme de superação, aqui em um registro mais alucinado e sensorial.

Nesse ponto, a direção hiperbólica de Boyle acaba caindo como uma luva. Se o filme poderia muito bem ser confundido com uma mistura de “Náufrago” com “Enterrado Vivo”, é a condução acelerada do cineasta que atribui ritmo e fluidez a uma trama essencialmente limitada em termos de espaço e tempo. Ainda assim, Boyle procura não ofuscar o show de Franco, que chora, sorri, grita e até conversa consigo mesmo, apresentando uma série de emoções sem nunca deixar de convencer o público de que realmente está passando por aquela situação-limite.

Dessa forma, é reconfortante que Danny Boyle tenha evitado repetir a mesma estratégia de “Quem Quer Ser um Milionário?”, produção de trama careta e rasa que se transformou em sucesso graças  às estripulias da direção do cineasta. Se este era um filme estético demais tentando disfarçar sua pobreza narrativa, em “127 Horas” a direção de Boyle não se coloca à frente da história, mas sim a seu favor. James Franco e o público saem ganhando.

A narrativa é minimamente linear. A trilha musical está no lugar certo. A fotografia cumpre sua função. E nem quando a direção de Boyle parece querer se sobrepor à história (principalmente nas alucinações vividas pelo personagem), o filme sai dos trilhos. Nem mesmo a já tão falada sequência em que Franco tem que arrancar o próprio braço para sobreviver (cena cheia de sangue e que não poupa o espectador) ofusca a honestidade com que tudo é representado.

Baseado em uma história real, “127 Horas” é, sim, sobre superação e força de vontade. Também é um filme de um homem só. Mas todos esses supostos clichês ficam para trás quando Aron Ralston (Franco) corta seu próprio braço e se dá mais uma chance de viver. Franco entende o recado e deixa todo seu potencial dramático transparecer na tela. Boyle encaixa um clichê aqui, uma opção piegas acolá, mas termina o filme deixando o espectador arrepiado.  Ainda que a câmera aqui seja acelerada, o que conta é mesmo a emoção.

Fábio Freire
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