Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 26 de setembro de 2010

Gente Grande (2010): uma bobagem que muita gente paga para ver

Mais parecendo um especial de TV do que um filme, “Gente Grande” é só uma grande reunião de Adam Sandler com seus amigos, ficando claro que os atores estão se divertindo bem mais do que o público.

Vou quebrar um pouco o protocolo aqui e me dirigir a você, que acha que tenho alguma coisa contra Adam Sandler. Não tenho. Ele está longe de ser um mau comediante, como prova o seu tempo no “Saturday Night Live” e seus stand ups.  Ele é engraçado e fitas como “Afinado no Amor” e “A Herança de Mr. Deeds” mostram que tem carisma. Outros filmes, como “Embriagado de Amor” e “Reine Sobre Mim”, são exemplos de que ele é um bom ator.

Mas parece que o público ficou viciado nos filmes ruins de Sandler, tendo em vista que seus bons projetos tendem a ser ignorados nas bilheterias. Portanto, não foi com surpresa que, ao assistir a este “Gente Grande” (que arrecadou mundialmente mais de US$ 250 milhões nos cinemas), me deparei com mais uma bomba produzida, escrita e estrelada pelo comediante, agora acompanhado de seus amigos e parceiros no humor, no que parece querer ser uma versão “engraçada” (ênfase nas aspas) de “Os Mercenários”.

Co-estrelando Rob Schneider, Kevin James, Chris Rock e David Spade, a fita mostra cinco amigos que, quando crianças, foram campeões mirins de basquete. Adultos, cada um seguiu o seu caminho. Lenny (Sandler) se tornou um poderoso agente em Hollywood. Kurt (Rock) se tornou um “dono-de-casa”. Eric (James) se tornou um empresário. Rob (Schneider) se tornou um tipo de especialista em “medicina alternativa” e Higgins (Spade)… bem, não faz nada da vida. Quando o técnico do time falece, eles resolvem se reunir com suas famílias em uma antiga casa de campo durante o feriadão de 4 de julho e retomarem a velha amizade.

Se você achou essa sinopse esquemática é porque o próprio filme é esquemático, desde o prólogo, passando pela apresentação de cada um dos personagens principais e de suas famílias (sempre de maneira “engraçadinha”) e depois passando para as gags e o inevitável confronto com os rivais do passado. Parece que Sandler e seu co-roteirista, Fred Wolf, simplesmente pegaram um velho script de “Ernest Sai de Férias” e copiaram todas as suas piadas de lá!

Não é que o filme seja inteiramente sem graça, mas com duzentas gags acontecendo por minuto, seria matematicamente impossível para o longa não provocar ao menos uma risada. O grande problema é que noventa por cento dessas piadas são grosseiras e de mau gosto. O que estavam pensando quando colocaram Rob Schneider para fazer uma versão performática de “Ave Maria” em uma igreja?!

Não se trata de uma crítica ao politicamente incorreto, mas a um politicamente incorreto que nem engraçado consegue ser, como as diversas piadas envolvendo peidos, velhice e pés defeituosos (algo que Sandler já tinha referenciado, de maneira menos grosseira, lá em “A Herança de Mr. Deeds”, aliás).

O tom do filme também é bastante confuso. O longa não decide se quer ser uma fita de amizade ou sobre a nostalgia de tempos de infância mais simples, tom que adota em sua segunda metade, paradoxalmente quando as piadas se tornam mais pesadas.

Adam Sandler até que tenta dar um pouco de personalidade a seu Lenny, mostrando-o com um homem preocupado com os filhos e saudoso com o passado. Sandler e Kevin James, aliás, são os únicos a tentar desenvolver um pouco seus personagens, com este último carregando um segredo que, a despeito de sua obviedade, ajuda no arco narrativo de seu  Eric.

David Spade e Chris Rock resolvem ficar apenas na caricatura, algo especialmente irritante no caso de Rock que, em dados momentos, se mostra excessivamente afetado. Já Rob Schneider… o homem continua a ser um buraco negro em cena. Além de não ser engraçado, ainda suga o carisma de seus parceiros quando surge na tela, o que chega a ser desastroso, já que o carisma daqueles comediantes é a única coisa que impede esse barco de afundar mais rápido do que a carreira de Jake Lloyd.

As atrizes têm pouco a fazer nesta reunião de amigos. Dói ver Salma Hayek tão engessada em tela, mas ao menos seus “atributos” são relativamente bem usados. A talentosa Maria Bello se vê desperdiçada com apenas uma piada ruim contada em cima de sua personagem, que é repetida ad nauseum, enquanto Maya Rudolph, que recentemente fora co-protagonista de um filme de Sam Mendes, surge apenas para dar uma força ao seu ex-colega de “Saturday Night Live”.

Ainda existem diversas participações especiais no filme, destacando negativamente a de Steve Buscemi, que é um excelente ator e não merecia pagar um mico desses, mas, como é amigo de Sandler, está lá ajudando o seu chapa.

Na parte técnica, o diretor Dennis Dugan, velho colaborador de Sandler, trabalha no automático, sem nada a ser destacada ou mesmo algum plano mais ambicioso. Tudo no filme parece padronizado, duro, sem inovação ou criatividade, com a única coisa relevante nesse departamento sendo o fato de que os últimos vinte minutos de projeção, de alguma forma, parecem muito mais longos que os oitenta que os precederam.

Mais e mais vejo Adam Sandler como o seu personagem em “Tá Rindo do Quê?”, outra de suas pérolas ignoradas, para quem não sabe: um cômico preso em um loop de bobagens que muita gente paga para ver. Espero que Sandler não tenha de ser vítima de uma doença fatal para começar se reinventar… 

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Thiago Siqueira é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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