Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 19 de dezembro de 2009

Avatar (2009): um filme para ser visto e revisto no cinema várias vezes

Dia 18 de dezembro de 2009 será marcado pela estréia da nova revolução do cinema. Refutar o fato de que "Avatar" é um marco da sétima arte é negar o óbvio. A despeito de algumas falhas em seu roteiro, James Cameron conseguiu novamente mudar o modo como veremos o cinema de agora em diante.

James Cameron é um homem que gosta de quebrar barreiras, sejam elas cinematográficas ou orçamentárias. Após mudar todo o conceito de blockbusters com “O Exterminador do Futuro 2 – O Julgamento Final” em 1991 e realizar o filme mais visto da história com “Titanic” em 1997, os cinéfilos ficaram em compasso de espera para saber qual seria o próximo passo do “Rei do Mundo”. Doze anos após seu último trabalho ficcional (Cameron comandou alguns documentários sobre o mundo submarino), o cineasta decidiu simplesmente criar o seu próprio planeta em com este “Avatar”, projeto que ele tinha em sua cabeça há quinze anos, mas apenas há quatro anos sua realização se tornou possível, graças ao empreendedorismo do diretor e a um orçamento que pode ter chegado aos US$ 500 milhões de dólares.

Voltando ao reino da ficção científica, o diretor e roteirista nos leva ao ano 2154, um futuro no qual a raça humana passou a singrar o cosmo, encontrando um verdejante mundo chamado Pandora, uma lua povoada por uma espécie humanóide nativa chamada na’vi, com costumes basicamente indígenas, pele azulada, porte altivo e feições felinas. A despeito de ser inabitável pela nossa raça, Pandora é rico em um minério extremamente caro, despertando a cobiça da humanidade, cuja economia está em crise.

É neste contexto que o fuzileiro Jake Sully (Sam Worthington) nos é apresentado. Paralisado da cintura para baixo após um incidente, ele é chamado por uma companhia privada para substituir seu irmão gêmeo no projeto Avatar, que insere a consciência de pessoas em corpos híbridos humano/na’vi. Inicialmente levado para fazer a segurança dos cientistas humanos liderados pela geniosa Grace (Sigourney Weaver), Jake é recrutado pelo violento Coronel Quaritch (Stephen Lang) para fazer o reconhecimento do terreno dos nativos, já se preparando para um possível ataque àquele povo.

Após conhecer Neytiri (Zoe Saldana), uma espécie de princesa dos na’vi, Jake começa a conhecer os costumes daquele povo e se deixar levar por sua filosofia de vida, descobrindo a real natureza de Pandora. No entanto, a companhia e os militares estão impacientes para extrair uma grande quantidade do raro minério, que se esconde justamente abaixo da árvore que serve de morada para os na’vi, o que levará Jake e seus companheiros a escolher entre suas consciências e o dever para com o seu povo.

Apesar da narrativa principal de “Avatar” ser uma releitura da premissa básica da lenda de Pochahontas, é o modo como Cameron conta sua história que realmente marca. É interessante que o cineasta se empenhou tanto no pano de fundo e na criação de um mundo novo que isto rouba toda a atenção do público, não sendo este fato algo ruim. Jake é incapaz de sentir, com os pés de seu corpo humano, o solo da Terra ou de Pandora, sendo tocante o momento em que assume o corpo de seu Avatar e experimenta com seus dedos novamente a textura da poeira. Do mesmo modo, não vemos o exterior do nosso planeta, com o longa nos apresentando apenas esse ambiente alienígena.

Magnífico o desenvolvimento do próprio mundo de Pandora, tanto na natureza da ligação entre seus habitantes (a qual não irei revelar aqui), tanto quanto pelo visual do ambiente mostrado. Cameron elaborou toda uma geografia, fauna e flora para seu mundo, bem como uma cultura toda peculiar para os na’vi. Nesse sentido, notamos que a paixão do cineasta pelo mundo submarino terrestre persiste, já que o desenho de certos elementos da floresta lembra muito algumas criaturas das nossas profundezas marítimas, com tais semelhanças sendo mais acentuadas na Árvore das Almas e nas sementes da árvore sagrada.

A despeito de ter sido totalmente criado por computação gráfica, jamais duvidamos do que nossos olhos vêem. O diretor não se furta em mostrar cada detalhe do planeta criado por ele e a equipe de efeitos especiais da Weta. Ao contrário dos mundos retratados na nova trilogia “Star Wars”, que ao primeiro olhar percebemos que são virtuais, só sabemos que Pandora não existe pelo visual exótico de sua fauna e flora.

Cada ser apresentado naquele lugar possui textura e interage com a luminosidade e com o ambiente de maneira simplesmente perfeita. A física e a fluidez dos movimentos de cada objeto virtual em cena são de um realismo incrível. Até os mais triviais elementos foram recriados de maneira perfeita, não havendo nenhum “ruído” em relação aos seres e objetos de cena reais. Não apenas o visual e a feitura dos elementos “naturais” de Pandora são feitos de maneira espetacular, como também o design e a execução das naves e do armamento dos humanos e sua interação com os atores reais e objetos digitais.

Por falar nisso, ainda há o aspecto do desempenho cênica dos atores através da captura de movimentos. Pela primeira vez, essa tecnologia é utilizada de uma maneira que realmente podemos ver cada expressão física dos atores em cena, sendo um marco para esta tecnologia e na revolução que ela representa, deixando obsoletos todos os longas que utilizaram esta ferramenta. É interessante que a Weta, que basicamente lançou tal tecnologia em “O Senhor dos Anéis” a eleva à perfeição com este filme.

Sam Worthington consegue expressar seu carisma, o qual já havia comentado no meu texto sobre “O Exterminador do Futuro – A Salvação” mesmo através de seu Avatar. É magnífico notar as diferentes reações e pensamentos que Jake passa em seus dois corpos, dando uma profundidade toda especial para o personagem e isso se deve a uma interpretação cheia de camadas realizada pelo ator.

O trabalho de Zoe Saldana como Neytiri também merece ser elogiado, mais uma heroína forte para a filmografia de James Cameron. Apesar da evolução do relacionamento entre Neytiri e Jake ser um pouco atropelado por algumas vezes, o modo como ela apresenta a seu par (e a nós) a cultura dos na’vi e como reage a um traumático evento no terceiro ato do filme simplesmente conquistam o público, principalmente pela química entre sua personagem e o de Worthington, que funciona muito bem a despeito dos clichês utilizados pelo roteiro nesse ponto.

Quem também chama bastante atenção no filme é Sigourney Weaver, cuja Grace foge muito do estereótipo clássico da cientista ambientalista, sendo mais uma das mulheres fortes de Cameron. Aliás, esse filme possui várias figuras femininas fortes de destaque, como a própria Grace, Neytiri e a piloto Trudy, vivida com bastante energia por Michelle Rodriguez que, mesmo aparecendo pouco, aparece bem.

Por falar em militares, a maior decepção que tive em relação a este filme fora com seu vilão principal, o Coronel Quaritch, vivido por Stephen Lang. Totalmente unidimensional e sem aparente motivação a não ser querer matar todos os na’vi. Em um ano em que tivemos o Coronel Hans Landa em “Bastardos Inglórios”, simplesmente é muito pouco um vilão contar apenas com um visual mais elaborado e uma macheza tão rica em testosterona que faz os heróis machões do cinema de ação dos anos 1980 parecerem a Mary Poppins.

O outro antagonista do filme, o executivo Parker vivido por Giovanni Ribisi, também é extremamente caricato, vide a cena que o introduz, de taco de golfe na mão. Aparecendo pouco e até um pouco apagado pela presença “de macho” de Quaritch, fica claro que, a  despeito de suas ações desastrosas, não se trata de um homem essencialmente “maligno”, apenas de um ser humano ganancioso e ignorante.

A despeito do escorregão de Cameron em algumas cenas batidas e pouco imaginativas, vide a cena do território entre Sully e duas criaturas, o diretor aqui alcança o seu auge. Planos extremamente elaborados e plasticamente fascinantes se somam ao já citado show dado pelos efeitos digitais, devendo ser reconhecido o valor da cinematografia do longa, tanto digital quanto live-action, comandada por Mauro Fiore e pelo próprio James Cameron.

O diretor também trabalhou na edição da fita, ao lado dos experientes John Refoua e Stephen Rivkin. O trio dá um ritmo crescente bem cadenciado ao filme, algo primordial, já que a produção possui 160 minutos de duração. No entanto, é nas salas 3D que “Avatar” realmente se transforma no melhor espetáculo audiovisual na história da sétima arte, graças à profundidade dada pela tecnologia.

Não esperem elementos de cena sendo jogados a cada dois minutos na cara do espectador, mas sim um uso do 3D em prol da narrativa, levando o público para dentro de Pandora, sendo essencial para a experiência completa que o filme seja conferido em uma sala digital 3D. Tal imersão é levada às últimas consequências graças aos efeitos e a edição sonora, que são um show a parte. A trilha sonora de James Horner que, mesmo não sendo lá tão inovadora nas sequências mais prosaicas, é simplesmente magnífica nas cenas de maior escopo.

Por falar em som, a dublagem dirigida por Guilherme Briggs é bastante competente, embora algumas vozes, como a de Quaritch, não soem tão bem para o espectador. Além disso, a tradução exagera um pouco em algumas gírias (um “cai dentro” pronunciado por Jake é um destaque negativo neste ponto). No entanto, a versão nacional não compromete jamais e será bastante apreciada por aqueles que forem conferir a fita na versão 3D já que, deste modo, não há a distração das legendas, embora não seja possível apreciar a atuação dos atores em sua totalidade.

Mesmo não possuindo uma narrativa perfeita, justamente por não contar com um texto totalmente enxuto, “Avatar” é um filme para ser visto e revisto no cinema várias vezes. Seu público experimentará algo único ao conferi-lo na telona e suspeito que este filme irá inspirar uma nova geração de cineastas, tal qual George Lucas o fez em 1977 com “Guerra Nas Estrelas”. Recomendado.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

Compartilhe