Depois de seis indicações ao Oscar, seis ao BAFTA e vencedor do Globo de Ouro de melhor trilha sonora original, é normal esperar muito do filme; mas nesse período de Oscar é melhor você ir assisti-lo com o mínimo de expectativas para não se decepcionar, já que tanto confete é jogado nos indicados.
Confesso que eu estava ansioso para ver Memórias de uma Gueixa, apesar do meu receio de ser mais uma adaptação frustrada, rasa e totalmente ocidentalizada, mas fui com boa vontade esperando uma aula de cultura oriental banhada de efeitos visuais, fotografia e figurino notáveis. Mas isso eu comento mais adiante.
Quando se pensa em filme oriental, uma das projeções que temos acerca dele é aquela onde temos personagens “voando” e com uma espada na mão protagonizando belos duelos coreografados, o que causa certa aversão a esse tipo de película por alguns expectadores. Aonde eu quero chegar? No simples fato de que “Gueixa” não é nada disso, então não há desculpa de que evitou ver o filme por não se agradar com o gênero. Abaixo ao preconceito! Mas de uma coisa é preciso saber: se você não está disposto a se submeter a mais de duas horas de uma trilha sonora oriental perfeitamente trabalhada ou se não tem interesse na cultura japonesa, esse não é o filme mais indicado.
Vou limitar minha crítica ao que eu vi na sala de cinema, pois não li o livro, o que não me permite dizer se a adaptação obteve sucesso, mesmo porque não é novidade para ninguém que quando um livro é passado para um roteiro cinematográfico, muitos detalhes da obra são deixados de fora, apresentando apenas os fatos principais para desenrolar a trama. Em Memórias de uma Gueixa, podemos encontrar uma história simples, de caráter melodramático, com alguns clichês (tem algo mais clichê do que a moça pobre com seu amor proibido?), mas encantador até a última cena.
O filme conta a história da pequena Sayuri, interpretada por Ziyi Zhang, que vivia nos anos precedentes à Segunda Guerra Mundial, onde era comum as famílias pobres venderem suas filhas para livrar-se do peso de alimentá-las e sustentá-las. E foi isso que aconteceu com a protagonista. Depois de vendida, ela foi parar num okiya, uma casa de gueixas que é responsável por escravizar essas crianças ou transformá-las em gueixas. No seu novo lar, a menina de olhos cor de água leva uma vida sofrida nas mãos da invejosa Hatsumomo, personagem vivido por Gong Li. Apesar de enfrentar os empecilhos da rival Hatsumono, Sayuri consegue se tornar a gueixa mais desejada de Kyoto, que esconde um amor secreto pelo Presidente, vivido por Ken Watanabe.
A película consegue dar uma verdadeira aula sobre os costumes dessas belas mulheres que vivem em um mundo próprio e misterioso, cheio de glamour e prestígio. Vestidas em quimonos caríssimos, com pinturas que induzem a sensualidade e o desejo masculino, elas participavam de banquetes com os homens mais bem sucedidos do Japão. Para se tornarem grandes artistas, as gueixas precisavam passar anos treinando dança, canto e aprendendo a tocar o shamisen, um instrumento de cordas.
Ao contrário do que muitos pensam (e algumas críticas julgaram mal), as gueixas são artistas que usam seu poder feminino para entreter os homens poderosos, e não são prostitutas. Se me permitem fazer um breve comentário histórico para justificar essa afirmação, ser gueixa nunca foi ilegal, ao contrário da prostituição, ilegalizada em 1957 no Japão. Elas precisavam respeitar a lei que proibia gueixas se envolverem com prostituição, mas nem todas respeitavam, levando muitas pessoas a associarem-nas com prostitutas, mesmo porque na cultura oriental, uma gueixa famosa precisa de um danna, uma espécie de cliente (na maioria, homens casados) que financia os gastos e em troca passa a ter relações com as artistas, não implicando uma relação sexual, pois é a gueixa quem escolhe se quer ou não se envolver sexualmente com seu danna.
Além de o filme não deixar grandes margens para o público associar as gueixas com prostitutas, tenho lido alguns comentários sobre o filme e considero errado julgar que a trama está repleta de falso moralismo e contradições, mas também é preciso confessar que a abordagem tanto do crescimento de Sayuri quanto em relação a essa história dos dannas foram fraquíssimas, forçando aos mais curiosos a pesquisarem para esclarecer tal relação.
Saindo da questão do enredo e partindo para a parte técnica, nos deparamos com uma direção de arte fenomenal e caprichosa. Geralmente esperamos figurinos maravilhosos nas produções envolvendo histórias orientais, como temos em Herói e O Clã das Adagas Voadoras, e se repete em “Gueixa”. O problema talvez tenha sido aquela minha tão temida ocidentalização, que foi inevitável ocorrer, e acabou americanizando algumas roupas, o que não desmerece elogios.
A trilha sonora de John Williams pareceu preocupada em carregar a história dramática da protagonista, junto com a fotografia bastante elaborada e de encher os olhos! Os cenários ricos e fiéis aos detalhes se misturavam com os sentimentos dos personagens e dava voz aqueles que possuíam desejos secretos.
As atuações convencem. Ziyi Zhang vem mostrando seu talento e capacidade de ficar na lista das melhores atrizes da nova geração. A vilã interpretada por Gong Li pode não ter tido o destaque que mereceu, mas certamente sem seu brilhantismo cinematográfico a trama não teria funcionado. A polêmica que tem girado em torno do elenco de “Gueixa” devido as atrizes não terem sido todas japonesas e sim chinesas e mestiças (que até rendeu a proibição da exibição do filme na China, por causa das suas más relações do país com o Japão), tira sim a originalidade dos personagens, atrapalhando no sotaque e na evolução dos mesmos, mas passa praticamente despercebido.
Enfim, Memórias de uma Gueixa agrada mesmo sendo melodramático e repleto de clichês. Com uma direção fraca, porém responsável, o filme consegue entreter e passar conhecimento ao expectador. Sem embasamento nenhum sobre cultura oriental ou sem vontade de aprender sobre, o filme pode ser em vão ou odiado por alguns, mas aos que se renderam a essa simples história de uma gueixa, a delicadeza da trama agradará e belas imagens e citações ficarão guardadas na nossa memória.