Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 02 de março de 2020

Por Lugares Incríveis (Netflix, 2020): ótimo romance sobre saúde mental

Longa-metragem original da Netflix mostra que manifestar a dor é também uma maneira de ter forças para seguir em frente.

“Sinto que não podemos passar por outro daqueles tempos terríveis”. A frase da escritora Virgínia Woolf descreve bem a proposta de “Por Lugares Incríveis“, adaptação da Netflix do livro homônimo de Jennifer Niven. O diretor Brett Haley  (“Coração Batendo Alto”) é o responsável por adequar a história para o cinema, que aborda temas como depressão, luto e transtorno de estresse pós-traumático.

A primeira cena já dá um tom pesado ao filme quando Theodore Finch (Justice Smith) se depara com sua colega de classe Violet Markey (Elle Fanning) de pé na beira de uma ponte, se preparando para se jogar. Ele consegue convencê-la a não pular. Descobrimos ao longo do tempo que a irmã da jovem, Eleanor, morreu em um acidente de carro, exatamente na mesma ponte.

Percebendo que a garota segue abatida na escola pelo grave acontecimento, o rapaz passa a ajudá-la a superar sua postura defensiva, cheia de respostas curtas e sem querer uma ligação com ninguém. Após ele conseguir convencer Violet a realizar um projeto de geografia em conjunto, a dupla parte em busca de conhecimento para o trabalho e aproveitam para se conhecer melhor. Em meio ao seu luto, ela percebe que Finch também precisa de ajuda.

A Netflix fez uma escolha certeira ao selecionar Jennifer Niven, a escritora da obra original, em parceria com Liz Hannah (“Casal Improvável”), para adaptar o texto. As roteiristas trabalham pontos complexos de forma singela, apresentado faces do luto e criando perspectivas diferentes sobre a saúde mental de cada personagem. Essa dor é vista sob diverso ângulos, como o silêncio no jantar demonstrando que os pais de Violet também estão devastados ou o sentimento de culpa da garota ao dar risada pela primeira vez após a tragédia.

O diretor também é cuidadoso ao mostrar o olhar de alívio dos pais ao ver que a filha voltou a sorrir, enfocar apenas no olhar de Violet enquanto fala sobre o acidente no carro e apresentar fisicamente como a organização mental é importantíssima para Finch por meio de seus post-its. Os pensamentos dele, às vezes, passam pela sua mente de forma muito acelerada, fazendo o jovem se perder.

As atuações de Elle Fanning e Justice Smith são vitais para a ótima química dos personagens. Ela mostra toda a angústia e dor que Violet enfrenta com uma tristeza permanente no olhar. Já ele é mais despojado e irreverente, mas não decepciona em cenas mais dramáticas.

Enquanto o livro mostra as perspectivas de Finch e Violet, o filme enfoca muito mais no lado da jovem. Não que o personagem masculino seja deixado de lado nas telonas, porém fica a sensação de que sua história poderia ter sido mais aprofundada.

Outro responsável por colocar o espectador dentro da narrativa é Keegan DeWitt (“Deixe a Neve Cair”), encarregado da criação da trilha sonora. Ele cria cada composição com um misto de melancolia e delicadeza, carregando de sentimento os acordes de violino e piano. A trilha combina perfeitamente com o tom da produção e coloca uma carga emocional quando precisa.

“Por Lugares Incríveis” fala sobre organizar a bagunça, buscar o lado bom em tempos difíceis, tentar sorrir enquanto quer chorar. O principal legado da obra é contar que a dor jamais pode ser escondida, é uma ferida que precisa ser curada aos poucos, pois internalizar a culpa só prejudica a própria saúde mental. Com contato profissional, família e amigos, a vida trata de te reorganizar, transformar e amadurecer. Basta buscar ajuda e dar tempo ao tempo.

Fábio Rossini
@FabioRossinii

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