Um marco de representatividade no cinema, a produção comprova que um filme sem clichês sobre a cultura oriental contemporânea pode ser lucrativo e orgulhar espectadores pelo mundo.
Faltou um nome no título de “Podres de Ricos” para refletir sua alma: asiáticos. Uma deliciosa sátira à cultura oriental contemporânea, o filme é baseado no livro de nome completo “Asiáticos Podres de Ricos” (do idioma original, “Crazy Rich Asians”) escrito pelo cingapuriano emigrante Kevin Kwan. Ele conta a história de uma chinesa americana que viaja até o outro lado do mundo para conhecer a família do namorado, mas sem saber que eles são… Adivinha!
Em sua essência, o filme é uma comédia romântica do tipo “peixe fora d’água”. O “peixe” aqui é Rachel Chu (Constance Wu, “Lego Ninjago: O Filme”), uma professora de economia em Nova York, nascida nos EUA e filha de mãe solteira chinesa. Ela é convencida por seu namorado, Nick (Henry Golding, “Um Pequeno Favor”), a acompanhá-lo até Cingapura para um casamento. A família de Nick também é de origem chinesa e mora neste país. Porém, o que deveria ser uma despretensiosa oportunidade para conhecer a possível futura sogra acaba se tornando um assombro quando Rachel descobre que Nick é herdeiro de um gigantesco império no oriente.
O choque cultural é o mote para as situações típicas desse tipo de comédia, como nos semelhantes sucessos de “Casamento Grego” e “Doentes de Amor”, que brincam com as diferenças entre casais interétnicos. Entretanto, em “Podres de Ricos”, Nick é tão chinês quanto Rachel, só que não para os olhos da poderosa Eleanor Young (Michelle Yeoh, “O Tigre e o Dragão”), a mãe ultra controladora dele. Para manter o prestígio, Eleanor acredita que Nick deve se casar com uma chinesa “pura”. Como Rachel nasceu na América, terra dos sonhos egocêntricos e longe das virtuosas tradições chinesas que priorizam a família, ela não é nada menos que uma ameaça aos planos que a dominadora mãe traçou para o filho.
Desde as primeiras cenas, o roteiro do filme se distingue por instigar uma feroz curiosidade em querer saber o que vai acontecer em seguida. Cada sequência prepara a próxima e, quando entrega, oferece em esbanjo grandioso, elegante, “crazy!”. A obra não só nos recompensa com situações divertidíssimas, mas o faz com um visual suntuoso, extravagante e requintado, assim como seus personagens e suas insânias consumistas, dos figurinos estilosos à impecável arte da produção. Metida nesse universo esbanjador e ostentoso da alta sociedade chinesa, Rachel deve refletir se sua estima é digna de aprovação e pertencimento pela família de Nick.
O elenco é formado inteiramente por atores de origem asiática que parecem brilhar na tela pela oportunidade de autocelebração. Destacam-se a doce e firme atuação de Wu como Rachel, além da divertida Awkwafina (“Oito Mulheres e um Segredo”) como a amiga confidente Peik Lin e, em evidência, Michelle Yeoh, que no lugar de ceder à vilania caricata, presenteia Eleanor com uma interpretação complexa, sensível e multifacetada. O filme ainda concede espaço para uma trama paralela, mais dramática, da empática e misteriosa Astrid, vivida por Gemma Chan (“Capitã Marvel”). Apesar de todos os louros pela rara escalação 100% oriental, o longa acaba pecando um pouco por mostrar somente tipos do leste asiático, omitindo representantes de pele mais escura do continente. Mesmo assim, é indiscutível a ausência de estereótipos e chavões habituais que costumam deturpar a imagem dos asianos no cinema.
Recusando ofertas tentadoras da Netflix por exclusividade na plataforma de streaming, Kevin Kwan e o diretor Jon M. Chu (“G.I. Joe: Retaliação”) fizeram questão de arriscar e lançar o filme nos cinemas para medir o sucesso e provar que grandes produções podem falar sobre o universo oriental sem precisar “embranquecer” as histórias, respeitando a diversidade e ainda assim ter lucro significativo. E como teve! Num fenômeno equivalente ao que os sucessos de “Mulher Maravilha” e “Pantera Negra” representaram para mulheres e afro-americanos, “Podres de Ricos” se tornou objeto de orgulho para comunidades ásio-americanas, que lotaram cinemas nos EUA e colaboraram para a bilheteria mundial da obra atingir cifras excepcionais.