Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 17 de maio de 2005

Star Wars: Episódio I – A Ameaça-Fantasma (1999): um bom retorno para a franquia

Após longos 16 anos de espera pela chegada de um novo “Star Wars” aos cinemas, “A Ameaça Fantasma” chegou fazendo estardalhaço na mídia, mas não conseguiu causar o tão esperado impacto, deixando a desejar em alguns aspectos. Mesmo assim, o filme consegue ser uma agradável viagem às origens da famosa saga.

“Star Wars: Episódio I – A Ameaça Fantasma” foi, sem dúvidas, o filme mais aguardado de todos os tempos. Desde “O Retorno de Jedi”, em 1983, passaram-se 16 anos, em que esse intervalo de tempo serviu para aumentar cada vez mais a ânsia e a obsessão dos milhões de fãs da saga espalhados pelo mundo. A chegada de um novo filme, ou melhor, de uma nova saga, poderia representar um início de uma nova era para o gênero ficção científica, assim como aconteceu com a trilogia passada.

Aconteça o que acontecer, por melhor e inovador que o filme fosse, nada iria impedir que os segundos iniciais, em que a frase “Há muito tempo, em uma galáxia muito, muito distante…”, seguida da súbita aparição do nome “Star Wars” ao som da clássica trilha de John Williams, fosse “O” momento marcante do filme. Naquele momento, a fantasia que marcou a vida de tantos fãs lunáticos estava de volta, fazendo até o mais recente fã de “Star Wars” delirar com toda aquela adrenalina. Mas às vezes o ser humano se esquece que algumas surpresas não são mais surpresas e, também, que um raio não cai duas vezes num mesmo local. Pelo menos não com a mesma intensidade.

Quando a maquiavélica Federação Comercial planeja invadir o pacífico planeta Naboo, o guerreiro Jedi Qui-Gon Jinn (Liam Neeson) e seu aprendiz Obi-Wan Kenobi (Ewan McGregor) embarcam em uma aventura para tentar salvar o planeta. Viajam com eles a jovem Rainha Amidala (Natalie Portman), que é visada pela Federação, pois querem forçá-la a assinar um tratado que é, para eles, muito importante. Eles têm de viajar para distantes planetas em uma desesperada tentativa de salvar o mundo de Darth Sidious (Ian McDiarmid), o demoníaco líder da Federação que sempre surge em imagens tridimensionais – eles não sabem de sua existência. Durante a viagem, surge um problema nos propulsores da nave e eles precisam descer em um planeta deserto à procura de ajuda. Nesse planeta, Qui-Gon Jinn conhece um escravo de nove anos, Anakin Skywalker, e deseja treiná-lo para que ele se torne um Jedi, pois o menino possui todas as qualidades para isto. Nem que, para isso, ele precise desobedecer às ordens superiores. Mas o tempo revelará que nem sempre as coisas são o que aparentam.

Logo após os letreiros iniciais, que é marca registrada da série, somos jogados a uma confusa trama política, em que os guerreiros jedis Qui-Gon Jinn e o padawan Obi-Wan Kenobi vão a um planeta, sob ordens da República, para resolver as questões de cobranças de impostos que estão bloqueando a rota do comércio no planeta Naboo (?). Essa confusa trama política – que nunca foi característica da série – logo de início baixa o clima do filme, que passa a manter um ritmo cansativo durante um bom tempo de projeção, que apenas é interrompido com algumas cenas de ação. Muitas delas forçadas (óbvio, os jedis precisam usar seus sabres de luz).

Ao sairmos do cinema após uma sessão de “A Ameaça Fantasma”, podemos ter a impressão de que a saga está de volta com força total, renovada e com efeitos especiais trazendo tudo que a antiga trilogia não pôde disponibilizar. Mas algum tempo depois, analisando os detalhes, podemos ver que o filme é o que possui as falhas mais visíveis de toda a série, principalmente relacionadas ao roteiro. O desenvolvimento da história é o caminho mais tortuoso do longa, em que o roteiro parece ter sido montado estrategicamente para criar situações forçadas, como o fato de o propulsor da nave quebrar em um planeta afastado, e eles vão atrás de uma nova peça justamente onde o garoto, o futuro Darth Vader, se encontra, juntando com uma tempestade de areia que acontece em seguida, fazendo o garoto convidar os estranhos para sua casa. Outro acontecimento que não deixa de ser forçado é o surgimento do personagem Jar Jar Binks. Aliás, é bom falar dele. O ser da raça Gungan (por sinal, bastante bem feito), alto, inconveniente e de voz irritante é considerado, por muitos, o personagem mais detestável do cinema. Particularmente não o detesto, apenas acho que sua inclusão na saga foi algo desnecessário, pois numa tentativa de infantilizá-la, acabou ridicularizando-a.

Diálogos risíveis são constantes durante a projeção (como “o maior problema do universo é que ninguém conta nada a ninguém”), além de apresentar situações, no mínimo, cômicas. Uma delas é quando Qui-Gon resolve colher uma amostra do sangue de Anakin para análise, e vê o teor da “Força” contida no garoto. É lamentável o fato que alguns aspectos interessantes do filme não receberam um destaque maior. O principal deles é o vilão Darth Maul. Ele possui um visual bacana, uma enorme habilidade técnica e tinha tudo para se tornar o grande referencial do filme. Lógico, não chegaria a ser marcante como Darth Vader, mas poderia muito bem deixar sua marca na saga com maior destaque. O personagem aparece pouco, praticamente não possui e falas e seu objetivo no filme é unicamente protagonizar a luta final com os heróis.

Dentre os defeitos, o pior sem dúvidas foi a escolha do garoto Jake Lloyd para interpretar Anakin Skywalker. Ele simplesmente não interpreta, apenas dita seus diálogos decorados sem conseguir passar um pingo de sentimento em nenhum momento do filme. Não é de se admirar que, após “A Ameaça Fantasma”, nunca mais se ouviu falar de Jake Lloyd atuando em outra produção.

Você, que está lendo esta crítica, provavelmente está pensando que detestei “Star Wars: Episódio I – A Ameaça Fantasma”. Na verdade, não é bem assim. O filme apenas possui alguns deslizes que chegam a serem inadmissíveis para o que o nome “Star Wars” em si exige. Mas o primeiro episódio da saga tem sim seus méritos, pois no final das contas, a magia de “Star Wars” está presente em todos os momentos. A escolha do elenco adulto, por exemplo, foi mais do que acertada. Liam Neeson está ótimo, dando todo o seu ar sábio e experiente na pele de Qui-Gon Jinn, que é na verdade, a primeira imagem que temos de um jedi no auge de sua forma, já que na trilogia anterior, os jedis que restaram estavam aposentados ou em treinamento (no caso, Luke Skywalker). O mesmo pode-se dizer de Ewan McGregor, como o ainda aprendiz Obi-Wan Kenobi, imortalizado por Alec Guiness na trilogia anterior, e Natalie Portman, como a jovem e esperta Rainha Amidala. Ambos muito corretos em seus papéis.

O fato da nova trilogia retratar o começo da saga, cujo final a grande maioria já deve saber, não deixa de ser interessante por podermos conferir como tudo começou. Foi ótimo presenciar situações como o primeiro e hilário encontro entre os andróides C3PO e R2-D2, conferir a outra face do grande imperador do mal, Darth Sidious (que inclusive, ele é a ameaça fantasma do título), além, é claro, podermos conhecer o lado humano que já existiu dentro do marcante Darth Vader. A maior curiosidade de todos os fãs da saga finalmente será desfeita, ao mostrar a forma que Anakin Skywalker é dominado pelo ódio e passa para o lado do mal. Se no Episódio IV a batalha entre o bem e o mal já estava iniciada e os dois lados muito bem definidos, aqui apenas os indícios da guerra começavam a aparecer e os lados ainda estão a ser definidos.

O fato do uso de efeitos especiais de última geração foi, ao mesmo tempo, um fator positivo e negativo. Negativo, pois grande parte da essência da trilogia original estava sendo desfeita. Na cena em que os guerreiros jedi vão à terra de Jar Jar Binks e vemos diversos seres criados digitalmente, nos faz até sentir saudades do Episódio IV, quando Luke Skywalker e Obi-Wan Kenobi entram em um bar cheio de monstros que lembram mais um baile à fantasia.

Por outro lado, é impressionante podermos enxergar o mundo que George Lucas sempre quis mostrar, mas não possuía recursos para representá-lo com realismo em 1977. Quanto a isso temos de bater palmas. Ele realmente conseguiu se superar com toda a evolução dos efeitos, que, principalmente nas seqüências de ação, conseguem dar vida à situações inimagináveis e sensacionais.

As seqüências de ação, por sua vez, estão muito mais bem trabalhadas, que com a ajuda dos novos efeitos, puderam abranger situações muito mais grandiosas, que antes seriam completamente limitadas. A mais famosa cena do filme, a corrida de pods em que Anakin participa, pode até ser uma cena encaixada forçadamente pelo roteiro com o intuito de induzir a produção de jogos de vídeo-game, mas mesmo assim não deixa de ser uma seqüência fantástica e muito bem dirigida. O mesmo pode-se dizer da batalha em terra firme travada entre os Gungans (seres da raça de Jar Jar Binks) e um enorme exército de andróides, fazendo lembrar as imensas batalhas dos grandiosos filmes épicos, mas com uma tecnologia super avançada.

O aspecto que sempre foi a maior referência dos filmes de “Star Wars”, ao lado da imagem de Darth Vader, é sem dúvida o confronto entre sabres de luz. Se na trilogia anterior as lutas pareciam evoluir a cada filme, aqui, elas atingem o seu ápice no duelo entre Qui-Gon Jinn, Obi-Wan Kenobi contra Darth Maul e seu sabre duplo. O duelo entre os três é, provavelmente, o melhor já mostrado na saga até então, chegando a se comparar à marcante luta entre Luke Skywalker e Darth Vader em “O Império Contra Ataca”. Sem falar na ópera do maestro John Williams (sim, ele consegue se superar a cada filme), que serve de fundo para a batalha, dando o tom cada vez maior de tensão a cada movimento dos personagens. Simplesmente perfeito.

O filme é considerado por muitos como o mais fraco de toda a saga, o que pode até realmente ser, mas é bom lembrar que quando “O Retorno de Jedi” foi lançado, por muito tempo, foi bastante criticado pelos seus diversos deslizes. Hoje, apesar de ainda ser considerado o mais fraco da trilogia anterior, o filme é simplesmente um marco do cinema, e visto como “a conclusão da maior saga de todos os tempos”. Creio que isso também acontecerá com “A Ameaça Fantasma” daqui há um certo tempo. Não que suas falhas deixarão de existir, mas a magia, e o próprio nome “Star Wars”, estarão sempre acima desses defeitos.

“Star Wars: Episódio I – A Ameaça Fantasma” está longe de ser o filme que os lunáticos fãs da saga sempre sonharam. Mesmo assim, não deixa de ser mais uma ótima viagem ao mundo de George Lucas. Apenas o tempo nos dirá se ele passará a ser visto não como o mais fraco da saga, mas sim como “o início da maior saga de todos os tempos”.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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