Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 28 de julho de 2008

Arquivo X: Eu Quero Acreditar

Após quase uma década do fim da série de TV, reencontramos os Agentes Mulder e Scully em "Arquivo X - Eu Quero Acreditar". No entanto, será que tal retorno faz jus aos personagens?

A série de TV "Arquivo X" foi um dos maiores fenômenos culturais da década de 1990. As aventuras dos agentes do FBI Fox Mulder (David Duchovny) e Dana Scully (Gillian Anderson) em um universo sobrenatural tão parecido com o nosso atraía milhões de espectadores semanalmente para frente da telinha. Além do fato de que o vai-não-vai romântico entre a cética Scully e o crédulo Mulder criou uma das mais famosas tensões sexuais entre casais da história.

Após terminar em uma nona temporada fraquíssima, a franquia parecia destinada a morrer, já que pendências legais entre a 20th Century Fox e o criador da saga, Chris Carter, emperravam a produção do segundo longa-metragem baseado na série – o primeiro fora lançado em 1998. Para alegria dos fãs, tais problemas foram sanados em meados do ano passado, com todos, principalmente Duchovny e Anderson, voltando para este "Arquivo X – Eu Quero Acreditar", que também marca a estréia de Carter na direção de um longa.

O filme tem início com uma espetacular seqüência na qual um grupo de agentes do FBI procura por algo na neve, guiados por uma excêntrica figura. Enquanto isso, paralelamente, acompanhamos o tenso ataque de dois homens a uma mulher. Logo após essa seqüência, que funciona como os teasers iniciais dos episódios da série, nos reencontramos com os protagonistas da franquia.

Após a fuga de Fox Mulder e Dana Scully no final da série, ambos encontraram um lar em uma propriedade no interior, bem longe do FBI e do já fechado departamento Arquivo X. Enquanto Scully assume de vez sua faceta médica, passando seus dias trabalhando em um hospital católico, Mulder está recluso em casa, onde passa os dias buscando algo em recortes de jornais que nem mesmo ele sabe o que é.

A rotina do casal é interrompida quando ele é procurado pelo FBI para auxiliar nas buscas de uma agente desaparecida. Convencido por Scully a ajudar, ele aceita voltar à ativa, mas só se ela for junto. Em seu caminho para achar a vítima do seqüestro, a dupla encontra o padre Joe (Billy Connolly), religioso católico condenado por pedofilia que alega estar tendo visões que podem levar à agente desaparecida. Tal figura desperta reações contraditórias em Mulder e Scully, que podem levar a conseqüências sérias para o futuro dos dois.

Apesar da premissa interessante, usando de temas como redenção e sobrenatural, é uma pena que Chris Carter e seu co-roteirista, Frank Spotnitz, se percam tanto no decorrer da história. Ao invés de focar em um único elemento fantástico – as visões do padre Joe -, a dupla insere um plot que mais parece ter vindo de ficções científicas baratas, absurdamente gratuito e despropositado. Isso acaba comprometendo o restante da trama, já que as motivações dos vilões destoam completamente do tom apresentado até aquele momento pelo longa.

Os dois novos agentes do FBI introduzidos na história, a crédula Dakota Whitney (Amanda Peet) e o durão Mosley Drummy (Xzibit), meramente repetem a dinâmica entre Scully e Doggett na oitava temporada, soando como repetição para os fãs, que certamente odiarão as insinuações de Whitney para Mulder. Além disso, algumas referências à série de TV são um tanto quanto forçadas, como a aparição nada surpreendente de um certo personagem na última hora.

Apesar disso, o relacionamento entre Mulder e Scully sobrevive a esses pequenos contratempos de roteiro, sendo a relação dos dois a coisa mais interessante do filme, mas eles mesmos não escapam de serem vítimas do texto. Ora, mesmo quando o roteiro coloca um conflito entre os dois – completamente despropositado, aliás – sabemos que tal discussão será posta de lado na primeira ocasião em que um deles estiver em perigo.

Mesmo assim, as atuações de David Duchovny e Gillian Anderson são mais do que agradáveis de ver. Ambos possuem uma química que realmente funciona, algo raro hoje em dia. Assistir a ambos atuando é como ver algo orgânico funcionando, com cada linha de diálogo proferida entre os dois simplesmente fazendo sentido, exceto as da discussão supramencionada.

Duchovny consegue com que entendamos perfeitamente a crescente paixão de Mulder durante o andamento do caso e seu despertar depois de tantos anos parado, mas é sua parceira quem rouba a cena. Ver Scully defendendo seu racional ponto de vista e sua indignação com o fato de Mulder aceitar trabalhar ao lado de alguém que cometeu um ato tão terrível quanto pedofilia só por conta do elemento sobrenatural é puro "Arquivo X".

Além disso, faz sentido que ela, após tantos anos trabalhando junto a Mulder, saiba que explicações além das racionais existem, só se recusando que elas se manifestem no padre Joe. A atuação de Anderson nesse sentido é perfeita, com ela fazendo um trabalho mais complicado que o de Duchovny.

Outro que aparece muito bem na fita é Billy Connolly. Seu padre Joe é uma das mais interessantes figuras que já apareceram no rico universo da franquia. Buscando expiação de seus pecados pretéritos, Joe é uma figura trágica que busca alguma forma de ver redimidos os seus erros na Terra.

Quanto aos novatos do FBI, apenas Amanda Peet consegue fazer um bom trabalho em cena, embora sua personagem ande em gelo fino em relação a um aspecto bastante importante da saga. O rapper Xzibit fora claramente um caso de escalação de elenco mal-conduzida, já que sua atuação e persona estão totalmente fora de sintonia com o personagem.

Nos aspectos técnicos, o filme se sai muito melhor. Chris Carter se mostra um diretor com bastante potencial, sabendo criar seqüências muito tensas e uma ótima atmosfera de suspense. Além disso, ele conseguiu inserir, de maneira mais do que satisfatória, pequenos elementos de humor, algo bastante peculiar à série. É impossível segurar o riso em uma determinada seqüência em Washington onde o tema da série toca, revelando um dos mistérios mais inexplicáveis do mundo moderno.

Na edição, o vencedor do Oscar Richard A. Harris realiza um ótimo trabalho, usando e abusando do recurso griffithiniano da montagem paralela, algo que se mostra bastante eficaz no prólogo, em uma forte cena de perseguição e em uma seqüência especialmente tensa no último ato da projeção. Na direção de fotografia está Bill Roe, veterano da série que sabe muito bem como mostrar os atores, ajudando na criação de cenas plasticamente interessantes e que combinam com o interior dos personagens, sendo particularmente feliz nas cenas externas, onde a paisagem desolada e congelada serve de apoio para a trama.

Apesar de estar muito longe de ser o filme que a saga merece, "Arquivo X – Eu Quero Acreditar" deverá ser uma experiência razoavelmente agradável para os fãs e, ao contrário de alguns filmes do gênero que estrearam este ano, não irá provocar (de maneira exagerada, ao menos) gargalhadas acidentais naqueles que querem acompanhar um longa de suspense.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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