Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 30 de abril de 2009

X-Men Origens: Wolverine (2009): o episódio mais fraco da tetralogia

O filme solo sobre o mutante mais famoso dos “X-Men”, Wolverine, tem seus muitos momentos de diversão através de boas interpretações e cenas de ação eficientes. Porém, com tanta ação, falta espaço para o melhor desenvolvimento da história, tornando o produto final um longa-metragem comum, que poderia ser bem melhor aproveitado.

Ninguém nega que o esquentado mutante da Marvel, Wolverine, é um dos personagens mais adorados pelos fãs de quadrinhos, e principalmente de “X-Men”. Depois que a terceira adaptação da franquia mutante para as telonas balanceou muito as críticas em 2006 (principalmente após a troca de diretores, saiu Bryan Singer, e entrou Brett Ratner), realizar um longa solo sobre a origem do misterioso personagem era a chance de retomar a credibilidade da série. Principalmente com o astro Hugh Jackman aceitando retornar ao papel, pois a essa altura ninguém engoliria outro ator para o personagem. A idéia sem dúvidas era boa, mas uma pena que nem sempre ideias legais são bem aplicadas na prática. “X-Men Origens: Wolverine” tem um potencial muito grande, mas que acaba tropeçando nas próprias armadilhas.

A história apresenta o pequeno Logan no ano de 1845, quando descobre sua anomalia ao saltar garras de osso de suas mãos. Anos depois, seu potencial para combate é posto em prática – além do seu dom de regeneração – ao ir para a Segunda Guerra Mundial, acompanhado do selvagem Victor Creed (Liev Schreiber), também conhecido como Dentes-de-Sabre. O estopim da trama começa com a formação da Equipe X, composta apenas por mutantes, tendo fins militares. No comando está William Stryker (Danny Huston), que envolve alguns componentes do grupo no projeto Arma X, um experimento ultra-secreto. Querendo fugir de suas raízes assassinas, Logan resolve desistir do projeto, se refugiando em uma aldeia e vivendo um romance com Kayla (Lynn Collins). Obviamente, não irão deixar ele escapar de maneira tão fácil.

Para a direção, trouxeram o sul africano Gavin Hood, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2006 por “Infância Roubada”. Uma escolha com seus altos e baixos. O cineasta visivelmente tem qualidade e poderia fazer um grande filme, mas, por não ter grande expressão, ele é completamente rendido às intervenções do estúdio (elas realmente aconteceram aos montes, pois muito teve que ser refilmado após o término das gravações). Por isso, é quase impossível julgá-lo através deste filme, pois não se trata de uma obra nem um pouco autoral. Nas tentativas de Hood ao implementar um pouco de cérebro em cima do rasteiro roteiro de David Benioff (“O Caçador de Pipas”) e Skip Woods (“Hitman – Assassino 47”), os figurões chegam e dizem “corta mais diálogos e acrescente mais uma cena de ação daquelas bem mirabolantes”.

Sendo assim, acompanhamos um longa de ação quase que desenfreada, a história tem pouco desenvolvimento e os personagens são pouco aprofundados. Enquanto na trilogia “X-Men” a ação era apenas o pano de fundo para questões como a política e o preconceito, aqui a situação é invertida. Por sinal, a palavra preconceito não é pronunciada nem uma vez sequer, o que chega a ser um absurdo, já que quando os mutantes começavam a ser descobertos é que a vertente deveria estar em alta, e não apenas quando eles viram uma realidade. Os muitos mutantes são jogados na tela de maneira quase que aleatória, e poucos têm oportunidade de ser bem abordados. Até mesmo o próprio Wolverine mostra pouco do seu humor irônico de costume.

Mas o longa tem seus muitos momentos positivos. O início com Logan e Victor Creed jovens e os sensacionais créditos iniciais acompanhados das cenas da dupla na guerra são marcas admiráveis do diretor. Além disso, Hood se mostra competente no comando das cenas de ação, auxiliado pelos sempre eficientes efeitos especiais. A invasão ao prédio na primeira missão da Equipe X (por mais exagerada e desnecessária que seja em seu contexto) e, principalmente, a perseguição de moto na metade da projeção são momentos de êxtase. Isso quando não se trata das lutas corpo a corpo, pois estas soam sempre repetitivas e sem muita emoção. Lá pelo terceiro quebra pau entre Wolverine e Dentes de Sabre, já torcemos para que um acabe logo com o outro para não termos que ver tudo de novo.

A história da dupla chega a ser bem abordada pelo roteiro, e a relação entre eles é interessante como se desenvolve, por mais previsível que seja os interesses reais de cada um. Hugh Jackman, sempre eficiente, nem precisa provar que não existe outro ator para encarnar Wolverine. Mesmo com as limitações do roteiro, ele tenta trazer boa parte das características marcantes do personagem para o longa. Já Liev Schreiber duela não só na briga, mas na atuação com Jackman. O ator está excelente como o vilão que, por trás de todo o espírito familiar, alimenta instintos animais, e vice-versa. Apesar da origem de Logan mostrada ser um tanto diferente da que é abordada na sensacional HQ “Origem”, ela é convincente por ser mais enraizada no mundo real. Convenhamos, não seria muito levado a sério nas telonas um homem sendo criado por lobos.

Até a metade da projeção, lidamos com um longa muito bom, quando vamos sendo apresentados a arquétipos interessantes e periódicas cenas de ação. Mas depois, quando a pancadaria gratuita, furos de roteiro e ausência de inteligência de certos personagens (principalmente o protagonista) tomam a vez, o filme perde muito o seu valor. O roteiro até tenta umas surpresas e reviravoltas bem feitas, prendendo um pouco mais o expectador. Mas a avacalhação geral acontece no final, quando Striker põe em prática seu plano de criação de um super mutante. De tão absurdo, chega a ser ridículo não só pelo visual em si, mas pela falta de respeito com os leitores de HQ. Baraka do “Mortal Kombat”, no filme de Wolverine? Triste.

Muitos personagens conhecidos dos quadrinhos estão presentes, mas a maioria apenas para dar um “bis” aos fãs, já que são tantos que fica impossível todos terem relevância. Destaque para o atirador Agente Zero (Daniel Henney) que protagoniza ótimas cenas de ação bem ao estilo “Matrix”, além do tão esperado Remy LeBeau, mais conhecido como Gambit. Vivido de maneira convincente pelo desconhecido Taylor Kitsch, o galã pilantra está lá bem caracterizado e até tem uma função relevante na trama. Pena que a sua cena de luta com Wolverine seja tão desnecessária e exageraram muito nas suas habilidades, transformado-o quase em uma mistura de Daiane dos Santos com Homem-Aranha. Gambit é muito ágil, mas dar pulos malucos e escalar paredes é um pouco demais.

Deadpool, vivido por Ryan Reynolds, tem poucas oportunidades para o ator expressar algum valor, se restringindo apenas aos movimentos da cena da primeira missão da Equipe X – até porque depois é melhor fingir que sua participação acabou ali. O Ciclope adolescente (o estreante Tim Pocock) aparece pouco, mas sua participação é importante para o contexto em geral da saga, servindo como um fio de ligação. Blob (Kevin Durand), John Wraith (Will.i.am) e Chris ‘Bolt’ Bradley (Dominic Monaghan) poderiam ser muito bem excluídos sem afetar em nada a história.

“X-Men Origens: Wolverine” nem de longe chega a ser um filme ruim e certamente divertirá a muitos que procuram algo para desocupar a cabeça e vibrar com figuras conhecidas. Mas é uma pena que isso seja pouco perante uma franquia tão rica e complexa, e as críticas negativas se dão por conta de todos saberem do enorme potencial que uma história solo de Wolverine poderia ter. Por isso, este acaba sendo o episódio mais fraco da tetralogia, restando a esperança de que os mutantes retomem suas forças.

P.S: Há uma cena pós-créditos que é totalmente irrelevante para o destino que a trama segue.

Thiago Sampaio
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