Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Paranóia

Shia LaBeouf consegue atrair o público jovem com maestria para o gênero que ficou famoso nas mãos do mestre Alfred Hitchcock. "Paranóia" guarda grandes semelhanças com "Janela Indiscreta", mas são os protagonistas e as sutis diferenças que fazem do novo filme de D.J. Caruso uma surpresa angustiantemente agradável.

Desde a morte de seu pai, Kale (Shia LaBeouf) não é mais o mesmo. O espírito divertido e a boa relação familiar do jovem de 17 anos morreram no mesmo acidente que levou a vida de seu maior companheiro. Após um ano de o que podemos afirmar ser uma longa tortura psicológica e processo de culpa, Kale se encontra na escola afastado dos interesses acadêmicos, um puro estereótipo de mau aluno. O comentário de um professor faz com que toda a revolta do garoto se volte contra o pobre homem e o resultado é a prisão domiciliar.

Condenado a três meses dentro de casa, com os privilégios da modernidade (vídeo game, internet e TV a cabo) cortados por sua mãe (Carrie-Anne Moss) na tentativa de forçar o filho a ajudar nas tarefas de casa, Kale se volta para o mundo exterior. Descobre nos jardins de seus vizinhos e na casa do pacato subúrbio, um reality show digno das maiores redes de televisão americana.

As semelhanças com o clássico “Janela Indiscreta” não param por aí. Assim como o personagem de James Stewart, Jeff, no filme de 1954, o protagonista de “Paranóia” vê em seu vizinho o principal suspeito de um assassinato. Jeff e Kale são extremamente parecidos. A limitação dos dois está na perna. Kale carrega um aparelho que o impede de se afastar por mais de 30 metros de sua casa, enquanto Jeff quebrou a perna em um acidente de trabalho e é confinado em uma cadeira de rodas, algo completamente difícil para alguém com sua personalidade.

Dois outros personagens moldam as ações do “paranóico”. Em “Janela Indiscreta” a enfermeira Stella ajuda Jeff na investigação e a bela Lisa se utiliza da investigação obsessiva do futuro noivo para garantir o casamento. Kale tem dois amigos, Ronnie, um típico adolescente deslocado, e a vizinha Ashley, também sua aspiração amorosa. Os três personagens, em seus respectivos filmes, desenvolvem uma observação incansável do suspeito e colhem evidências que colocam o grupo em risco.

A diferença principal entre “Janela Indiscreta” e “Paranóia” é o que faz do filme de D.J. Caruso algo bem além de uma cópia menor de Hitchcock. Kale, Ashley e Ronnie são adolescentes e, como tal, lutam muito mais para serem acreditados, se arriscam muito mais em busca do objetivo de desmascarar o possível assassino e possuem outras preocupações. Enquanto Jeff não se concentrava em outra coisa além de sua própria janela, sempre focalizada no apartamento em frente, Kale tem mais interesse na janela de Ashley e, apenas quando a garota se mostra interessada no crime, as prioridades do garoto mudam. Os papéis se invertem.

O mérito de “Paranóia” está justamente em seus personagens. Shia LaBeouf prova mais uma vez o grande ator que é capaz de carregar seu papel com humor, suspense e uma pequena parcela de angústia que moldam sua personalidade em perfeita combinação com a sua realidade carcerária. David Morse é ainda mais fiel às características de um vilão. Seu personagem é carismático em sutilezas e extremamente assustador, sem nunca levantar a voz. O roteiro não lhe faz justiça, mas seu talento é inquestionável quando as poucas falas e poucas cenas em que o vizinho Mr. Turner se mostra, se tornem os melhores momentos do longa metragem.

“Paranóia” é um filme com adolescentes voltado para adolescentes e, por mais que isso possa parecer pejorativo, é por causa desse fator simples que se torna um filme interessante. Não existe pretensão, mas existe qualidade. O suspense está presente do começo ao fim, com nuances diferentes, motivos distintos. É praticamente impossível se controlar nos momentos de maior tensão e extremamente divertido notar que, enquanto Kale espiona a vizinhança, somos também parte de seu prazer doentio.

“Janela Indiscreta” é uma metáfora para o cinema, e convida, desde o início, o espectador a se envolver em uma história alheia. O abrir das cortinas nos coloca como testemunhas de um prazer secreto que, por se tratar de cinema, está presente em todos. “Paranóia” tem como ponto de partida os realities shows que povoam os canais americanos e brasileiros. O voyeur, ao mesmo tempo em que observa, é observado. Ashley, principal vítima dos binóculos amadores de Kale, sabe que está sendo observada e joga com os sentimentos do vizinho.

A fórmula é clássica, conhecida e relativamente simples, mas um suspense como esse não deve ser descartado por causa de sua falta de originalidade. O mérito está nas diferenças bem sucedidas, na excelente escolha de protagonistas e na identificação imediata do espectador com a realidade moderna de Kale, algo que, infelizmente, ficou um pouco para trás em Hitchcock.

“Paranóia” fará com que muitos novos cinéfilos apreciem mais o suspense sem a extrema violência e admirem um terror psicológico com mais conteúdo. Ainda há muito que evoluir, mas D.J. Caruso faz um bom trabalho que, mesmo agarrado aos calcanhares de Hitchcock, é mais do que apenas um vestígio de um dos maiores clássicos do cinema.

Lais Cattassini
@

Compartilhe

Saiba mais sobre