Todo mundo já ouviu falar
deles. A família mais desajeitada da face da
Terra, os Simpsons, trouxe em suas dezoito
temporadas um sucesso irremediável. Nem
parecia que em 1987 aquele projeto que
mostrava Homer vivendo aventuras em trinta
segundos viraria um dos desenhos animados
mais vistos do mundo e que conquistaria um
grupo esmagador de fãs. Três anos após sua
primeira exibição, o criador Matt Groening
consegue fazer de “Os Simpsons” uma série
regular que mais adiante venceria inúmeros
prêmios que reconheceriam a competência da
produção. Mas o que teria feito “Os Simpsons”
viver todo este sucesso? A sátira empregada
em seus enredos conquistou o público
americano e se estendeu por todo o mundo.
Homer e sua família são os típicos
americanos caipiras, que vivem situações
medíocres e não têm medo de parecerem
ridículos ou de criticar dos governantes até
a própria emissora em que o seriado é
transmitido. Outra característica do seriado
é que ele desvincula aquele protótipo de que
foi feito somente para crianças. Talvez a
maior parte do público que admira a família
Simpson cresceu junto nestes anos de
exibição e aprendeu tanto a viver a parte
infantil da coisa, quanto a criar um senso
crítico e procurar entender os por quês das
abordagens que são feitas.
Com o desenvolvimento da série, nada mais
justo do que a cada novo episódio vir mais
armado de seu humor negro e seus diálogos e
situações conflitantes. Com isso, apesar do
sucesso, o seriado conseguiu irritar boa
parte do seu público. Críticas contra
localidades específicas e personagens
caricatos acabaram mostrando um lado
impiedoso do seriado que, em 2002, mexeu com
o Brasil que se dividiu em opiniões. No
episódio “Blame it on Lisa” (O Feitiço de
Lisa), podemos perceber um verdadeiro
exemplo de estereótipos pesados que os
estrangeiros têm acerca do nosso país. A
repercussão do fato foi instável, já que
alguns brasileiros acharam a crítica bem
empregada, enquanto outros se revoltaram com
a exposição negativa. A crítica do episódio
vem desde seu título, referente a “Blame it
on Rio” (Feitiço do Rio) (1984),
longa-metragem gravado no Brasil e
protagonizado por Michael Caine e Demi Moore,
que mostra todos os clichês possíveis que
poderiam ter do Brasil, desde mulheres
fazendo topless a homens convivendo com
macacos. Cenas semelhantes seriam novamente
rodadas em diversos outros filmes, como
pode-se citar “Próxima Parada: Wonderland”
(1999) e “Brenda Star” (1989). Como se não
bastasse o registro exagerado do Brasil, “Os
Simpsons”, que até hoje é referência de
desenho animado, também não podia deixar
de dar sua pitada de mal gosto sobre
nossa cultura. Assista ao episódio
completo abaixo:
O episódio começa quando Homer decide
não pagar sua conta telefônica, já que vinha
acusando uma ligação caríssima ao Brasil
que, teoricamente, não tinha sido feita.
Tempos depois, Lisa confessa que ela fez a
ligação para ajudar um menino, Ronaldo (olha
só o nome!), órfão carente e que vivia em
uma instituição onde é cuidado por freiras.
Sensibilizados, os Simpsons decidem viajar
ao Rio de Janeiro à procura do garoto e aí
começa uma verdadeira chuva de rótulos e ridicularização. Visto que todos sabem como
o desenho aborda as ambientações de seus
episódios e sabendo que, na realidade, a
crítica primordial do seriado está em
cutucar o povo americano, percebemos a
alienação estampada nos pensamentos da
família. É a partir disso que vão sendo
desenvolvidos os clichês que não deixam de
ser exagerados, mas não necessariamente são
mentirosos. A densidade do humor negro
utilizado pode ter sido um dos motivos pelo
desagrado do público e em especial à
Embratur, Empresa Brasileira de Turismo, que
protestou e tentou processar a série e foi
um prato cheio para repercutir na imprensa
internacional. O secretário de turismo do
Rio de Janeiro na época também protestou
pelo retrato feito da Cidade Maravilhosa,
vista como um recinto de criminalidade e
vandalismo. A única resposta obtida foi do
produtor James L. Brooks, que pediu
desculpas pelo vexame, oferecendo-se para
mudar o final do episódio e mostrar a
realidade brasileira de um ponto de vista
mais realista, substituindo os macacos por
mosquitos da dengue, armando fortemente os
criminosos e outras situações menos
caricatas, mas que não deixariam de ser uma
boa oportunidade de gritar ao mundo nossas
deficiências humanas. O então presidente
Fernando Henrique Cardoso decidiu não
aceitar as mudanças e o episódio foi ao ar
no formato original.
O retrato do Rio de Janeiro na visão dos
americanos mostrou-se frustrante. A cada
segundo que a história se desenrolava, uma
chuva de situações de mal gosto vão
acontecendo. No episódio, Ronaldo manda um
vídeo para Lisa mostrando os sapatos novos
que conseguiu comprar após a doação da
garota e afirma que agora pode sambar. A
ligação do samba ao nosso país não é
novidade e até é motivo de orgulho para a
cultura nacional, conhecida pela boa
variedade de ritmos e danças, cujas festas
populares arrastam a população para as ruas
das cidades. Com o episódio, tudo isso se
transforma em motivo de ridicularização
forçada e descaracteriza a força de nossos
costumes. Como se não bastasse, antes de
chegar ao Rio, Bart tenta aprender a falar
Espanhol para se comunicar bem, mas sua mãe
felizmente o avisa que falamos Português. Ao
chegar no hotel, a família é recebida por um
carregador de malas que brinca de fazer gol
com as malas dos hóspedes. Como meio de
transporte, um trem com ritmos latinos é o
mais utilizado na cidade, além de táxis
cujos motoristas são seqüestradores. Por
todo lado, violência, sujeira, ratos e
macacos dividem espaço com os cariocas,
junto com apresentadoras dos programas
infantis exibem seus corpos em danças quase
eróticas.
A grande questão reside
em saber dissociar os mitos da realidade. O
jogo de intenções ao construir esse episódio
é bastante questionável já que, ao mesmo
tempo em que mostra um desconserto na visão
estrangeira em torno do Brasil, apresenta um
conjunto de fatos hiperbólicos que de uma
forma ou de outra, enche de abobrinha mais
ainda a cabeça dos habitantes dos mais de
cem países onde o desenho é exibido e fica
por isso, já que não existiu um
contra-argumento à realização do episódio. O
ocorrido neste capítulo de “Os Simpsons” vem
apenas adicionar mais um meio audiovisual
que apela para o preconceitos e para a idéia
do lugar comum, causando frustração por quem
é o alvo deles. Mas o que fazer para evitar
isso? Exportar imagens santificadas advindas
do nosso povo seria mais uma hipocrisia do
que uma tentativa de nos fingir de
bonzinhos. O trabalho em cima da imagem da
cultura de um povo deve ser feito a partir
do bom senso e não da ridicularização.
Quando o resultado é tido como de mal gosto,
aceitar se torna impossível e negar que
somos um pouco da parte podre da história
seria ousadia.