Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 25 de agosto de 2009

Se Beber, Não Case

O título original de “Se Beber, Não Case!” não poderia ser mais apropriado: “A Ressaca”. Misturando elementos das antigas comédias oitentistas e o neo-humor cinematográfico criado pelo cineasta Judd Apatow, o longa é uma ótima e engraçada experiência, que merece o sucesso de bilheteria que alcançou nos EUA.

Todo mundo faz algo que se arrepende quando toma um porre, seja em menor ou em maior grau. No entanto, os personagens de “Se Beber, Não Case!” levam esta afirmação para um nível completamente diferente. Dirigido por Todd Phillips (do hilário “Dias Incríveis”), o longa conta as desventuras de quatro amigos em Las Vegas antes do casamento de um deles.

O noivo, Doug (Justin Bartha), está preparado para a vida adulta e parece realmente apaixonado por sua noiva. Levando-o para sua festa de despedida estão o já casado ex-festeiro Phil (Bradley Cooper), louco para reviver seus dias de glória, e o reprimido dentista Stu (Ed Helms), completamente dominado por sua namorada megera. Além desses três há o futuro cunhado de Doug, o insano Alan (Zach Galifianakis), cuja estupidez faria Homer Simpson parecer Albert Einstein.

Hospedados em uma suíte de luxo na cidade do pecado, os quatro começam a noite de farra tomando um licor e depois… apagam completamente. Phil, Stu e Alan acordam com uma ressaca mitológica, com o quarto destruído, na companhia de um tigre e um bebê e, para piorar, sem Doug. Faltando um pouco mais de um dia para o casamento, os três saem em busca do noivo perdido, coletando pistas do que ocorreu durante a noite anterior.

Antes de qualquer coisa, “Se Beber, Não Case!” não se apresenta como um filme escrachado, mas como uma produção com situações escrachadas. A diferença é imensa, consistindo no fato de que a premissa básica do filme podia muito bem ser encaixada em um thriller ou em um suspense, mas os eventos pelos quais os personagens passam são extremamente absurdos, levando não só ao riso, mas fazendo parte da própria história da fita, quase que como uma evolução do que o trio ZAZ produzia nos anos 1980.

Aquelas figuras na tela jamais agem como se soubessem que tem a obrigação de serem engraçados, mas o riso do público vem como uma consequência natural do roteiro e das performances dos atores. Isto não é inédito, bastando lembrar que em “Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu!”, o médico vivido por Leslie Nielsen jamais se comportava de maneira histérica, mas levava o público às gargalhadas graças ao seu jeito.

A evolução está em aplicar esse efeito na história, com os personagens se surpreendendo junto ao público com os absurdos que presenciam, além destes contribuírem para o seguimento da trama. Esse tipo de humor presente em “Se Beber, Não Case!” é bem mais efetivo que aquele mais rasteiro (e ofensivo) realizado, por exemplo, pelos irmãos Wayans, que nunca tiveram – e nem terão – a sutileza e o talento para realizar um trabalho desses. Esse modo de fazer rir é extremamente mais trabalhoso, exigindo compromisso e química por parte de seus atores.

Felizmente, isso não falta no cast deste projeto. Bradley Cooper é um exemplo disso. O seu Phil, a princípio, parece ser o ser humano mais egoísta e superficial da Terra, mas o ator o interpreta como uma pessoa comum e, ao final do filme, vemos que o sujeito é bem mais profundo do que pode parecer à primeira vista, algo que o ator percebe e utiliza. Stu, que seria o elemento sério do grupo, se solta aos poucos graças à cadeia de eventos que se seguem, com o seu intérprete, Ed Helms, sabendo como mostrar tal mudança do personagem aos poucos, sem jamais forçar uma guinada artificial.

O grande destaque do elenco certamente é Zach Galifianakis, que rouba a cena com seu insano Alan. O mais engraçado nesse personagem é sua aparente falta de malícia, parecendo que suas ações estúpidas são motivadas apenas por sua burrice, tornando-o, em certo ponto, até inocente. Por sua vez, o Doug de Justin Bartha, aparece pouco, servindo mais como o MacGuffin do filme.

O elenco secundário também é excelente, com ótimas participações de Heather Graham (mais uma vez em um papel sensual), tendo uma ótima química com o grupo principal, além de Jeffrey Tambor, um dos meus atores favoritos que surge em uma quase-ponta como o futuro sogro de Doug, que dá “bons conselhos” para o genro. Vale ainda ressaltar o trabalho de Ken Jeong como o insólito Chow, que dá uma visão mais… sensível para os gângster orientais. Quem também aparece na tela é Mike Tyson, bastante sentimental e compreensivo, mas “ainda é o cara!” (pelo menos no filme).

Todd Phillips conduz a fita de maneira impecável, sabendo instigar o público a se importar com o “mistério” do filme sem com que o fator comédia seja esquecido. É interessante notar que o cineasta sabe lidar com o fundo da tela, algo bastante importante para os filmes do citado trio ZAZ e que volta a ter importância aqui (vide a cena da batida).

O diretor consegue inserir o espectador em Vegas sem jogar a cidade na cara deste a cada cinco minutos, utilizando até a memória do público do lugar vinda de outros filmes, seja por músicas ou pequenas homenagens visuais. Isso, é claro, seria impossível sem um bom trabalho de design de produção e direção de arte, além de uma tremenda trilha sonora, que utiliza sons de todos os gêneros.

Louve-se ainda o ritmo do filme, com ótimas passagens de tempo (maravilhosa a que mostra a transição da noite da farra para o dia da ressaca), bem como a fotografia mais granulada e “pesada” do longa, remetendo a como a pessoa se sente após uma bebedeira.

“Se Beber, Não Case!” é um caso (infelizmente) cada vez mais raro de filme que não precisa ser imbecil para fazer rir. Mesmo sendo uma comédia despretensiosa, se apresenta com uma estrutura inteligente, tratando-se de uma produção surpreendentemente efetiva e engraçada. Recomendado.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

Compartilhe

Saiba mais sobre