Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 15 de maio de 2006

O Astista Contra o Caba do Mal: curta é divertido e bastante cearense

Um ótimo filme para todas as idades, que faz rir, seja pelas hilárias expressões do vocabulário cearense, pelo bom desempenho do protagonista, pelas caracterizações estereotipadas dos coadjuvantes. Num contexto geral, é diversão de primeira qualidade, com aquele toque de humor que só cearense sabe fazer.

É notório que o cinema cearense vem crescendo a cada ano que passa, e ótimas produções, sejam em curtas ou longas-metragens, têm recebido reconhecimento país a fora. O curta-metragem “Cine Holiúdy – O Astista Contra o Caba do Mal”, 15min, do cineasta cearense Halder Gomes, é um dos exemplos mais explícitos da ascensão do cinema cearense. Satirizando de uma forma bastante criativa o vocabulário cearense, o filme colecionou diversos prêmios (dentre eles, cinco de melhor filme) em importantes festivais do país. Algo realmente surpreendente, visto que hoje em dia é preciso adotar certos “padrões” comerciais para um filme emplacar fora de sua região. Mas o curta de Halder Gomes sabe se aproveitar muito bem de seus fortes traços regionalistas, tornando o filme cômico até mesmo para os que não entendem certas expressões típicas do povo cearense. Num contexto geral, é diversão de primeira qualidade, com aquele toque de humor que só cearense sabe fazer.

O filme narra um dia na vida de Francysgleydson (Edmilson Filho), o proprietário do Cine Holiúdi, humilde cinema no interior do Ceará nos anos 70. No meio da exibição da projeção de um filme, o projetor quebra, e Francysgleydson é obrigado a entreter o público revoltado porque quer ver filme. Daí então, ele resolve narrar o resto da história, porém, a partir do seu modo de vista, e para isso, ele tem usar toda a sua desenvoltura e criatividade para agradar ao público e não transformar sua exibição em um desastre.

O diretor mostrou um grande distanciamento de estilo em relação ao seu filme anterior. “Sunland Heat” é um longa-metragem de ação desenfreada, que, apesar de ser rodado a maior parte no Ceará, é falado em inglês, fato que contribuiu para sua venda para o exterior. Rumando para a comédia, em “O Astista…”, ele assume suas raízes, e esbanja talento ao brincar com as hilárias expressões cearenses. E ele acertou em cheio na fórmula! Halder Gomes conseguiu a difícil missão de satirizar a cultura cearense, sem que os personagens caíssem no caricatural extremo, e sem reforçar aquela imagem estereotipada do povo cearense no resto do país. Sim, a sátira está clara, mas em nenhum momento ela soa irônica, chegando a difamar alguma cultura. Tudo é voltado para o humor, e no final das contas, é um divertimento sem tamanho ver o quão engraçadas são algumas expressões que dizemos naturalmente no nosso dia-a-dia. Para o resto do país (diga-se de passagem, as regiões sul e sudeste, onde localizam-se os chamados centros de referência do país), mesmo não entendendo o significado de algumas expressões, suas simples sonorizações garantem bons risos, afinal, expressões como “chiba nos pissuído” e “do tempo que o King Kong era soin”, não são das mais comuns.

O filme possui um roteiro relativamente simples, mas é perceptível o carinho com que fora desenvolvido pelo próprio diretor, juntamente com Micheline Helena e Thiago Daniel. Nele, se percebe um paralelo entre o mundo real em que vivemos e a fantasia fato que torna o filme bem mais agradável de se assistir. Exemplo entre o cruzamento de mundos é o hilário filme de kung fu (lógico, artes marciais tinha que estar contida no filme, afinal, é a influência direta e a grande paixão do diretor Halder Gomes), “A Saga de Ding & Ling”, que é exibido no cinema por Francysgleydson, fugindo qualquer padrão da realidade e lei do bom senso. Muito bem retratado o fato de cinemas das cidades do interior não possuírem boa qualidade técnica e estrutura, mas ainda assim, é o grande divertimento dos habitantes da cidade – que por sinal, Halder Gomes se inspirou em suas próprias idas ao cinema quando criança, para compor o roteiro. Além disso, muitas piadas funcionam bem mostrando a malandragem (no bom sentido da palavra) do povo cearense, retratadas em momentos como o que um bêbado tenta entrar no cinema sem pagar, ou quando a pessoa bate ligeiramente na cabeça de quem está sentado à sua frente (“dá um sabacú”, de acordo com o dicionário cearense), além do fato de o povo não parar de falar um segundo sequer durante a projeção do filme. Com certeza, todo ser humano já passou ou presenciou situações como as vistas no filme. Bom ressaltar que os fãs daquele bom e velho “humor pastelão” também não se decepcionarão, pois esse também está mais do que presente no filme. Quer exemplo mais claro do que a cena em que um palhaço sob pernas-de-pau dá um chute e profere um sonoro grito de “iááá”?

O diretor demonstra competência na composição de seus personagens, em que todos são responsáveis por levar bons momentos de humor ao expectador. Estão lá presentes todos aqueles estereótipos – o bêbado, o cara chato que não pára de interromper, o baixinho feio e engraçado (o hilário Bolachinha), o fortão que esbanja seu ar de superioridade – que podem ser considerados até clichês para o gênero comédia, porém, é garantia de bom resultado se a direção for eficiente, como é o caso deste.

Mas há de se considerar que boa parte do mérito do filme se deve ao ótimo desempenho do protagonista Edmilson Filho, como Francysgleydson. O ator exerce tão bem o papel, de forma que fica difícil imaginar outro no seu lugar. Além de demonstrar uma exímia veia cômica proferindo o famoso sotaque cearense, ele demonstra uma admirável desenvoltura no momento de simular uma cena de luta (também pudera, afinal, Edmilson é lutador profissional de taekwondo, com vários títulos no currículo), tornando tal performance um momento de admiração a sua técnica, e muito humor.

Destaque também para a direção de arte, a cargo do falecido Yukio Satto. Gravado inteiramente em estúdio, os cenários foram muito bem retratados, dando mesmo a impressão de passar em uma cidade do interior, além de inúmeros detalhes de caracterização que dão identidade ao filme, como por exemplo, o bigode de Francysgleydson. Chamo atenção também para a trilha sonora, em que a divertida canção “Kung Fu Dancing”, de Fun Tomas, é tocada no início e no fim do filme, atenuando o paralelo entre a seriedade e a comédia, proposto pelo diretor.

Enfim, “Cine Holiúdy – O Astista Contra o Caba do Mal” é um ótimo filme para todas as idades, que faz rir seja pelas hilárias expressões do vocabulário cearense, pelo bom desempenho do protagonista, pelas caracterizações estereotipadas dos coadjuvantes. Com projeto para virar um longa-metragem, cativou o público e venceu diversos prêmios ao redor do país por puros méritos. Bom para o Ceará, bom para o cinema nacional, afinal, falando como bom cearense, “o filme é pai d’égua demais”.

Thiago Sampaio
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