Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Jackie (2016): a biografia exagerada da Primeira Dama

O retrato irregular dos dramas vivenciados pela Primeira Dama que o mundo aprendeu a amar.

Jacqueline Lee Bouvier Kennedy Onassis foi esposa do 35° presidente americano, John F. Kennedy, e uma das pessoas mais influentes de sua época. Mulheres de todo o mundo se inspiraram em sua maneira de se portar e vestir, enquanto os homens se apaixonaram por seu temperamento meigo e elegante. Por se tratar de uma mulher jovem – tinha 34 anos quando Kennedy foi assassinado do seu lado – ela foi, junto aos dois filhos pequenos, uma catalisadora para a dor do povo americano, que assistiu estarrecido, ao vivo pela televisão, sua determinação e força diante da tragédia.

“Jackie” narra o trecho dramático do atentado até o enterro de John sob a perspectiva de Jacqueline, interpretada por Natalie Portman (“Cisne Negro”), e inicia-se uma semana após a morte do marido, quando ela decide falar com a imprensa sobre seu luto. Visivelmente irritada com algumas críticas que havia lido sobre o legado da família, ela abre a conversa com o repórter – Billy Crudup (“Spotlight – Segredos Revelados”) – de maneira áspera e conforme suas palavras fluem, as emoções são expostas e o longa passa a mostrar o drama e o sofrimento dela diante de perdas irreparáveis.

Portman se esforça para emular a maneira de falar de Jackie e encarnar os trejeitos e maneirismos da primeira dama, porém fica clara a dificuldade da atriz em manter todas estas características constantemente em harmonia. Ela se perde com frequência nessa mistura e fica aparente que algo mais físico a impede de seguir com a qualidade.

O roteiro de Noah Oppenheim (“A Série DIvergente: Convergente”) e a direção do chileno Pablo Larraín, conhecido pelo drama político “No”, que foi indicado para o Oscar de Filme Estrangeiro em 2013, atrapalham ainda mais a performance de Portman, insistindo em focar em suas agruras sem um contraponto ou defeito que a humanize. A necessidade do diretor em “canonizar” sua protagonista chega ao cúmulo de criar paralelos de seu flagelo, com ensinamentos religiosos.

A trilha sonora alta, estranha e intrusiva de Mica Levi, que funcionou tão bem em “Sob a Pele”, aqui é outro ponto que destoa do conjunto. Nos momentos calmos da trilha, conseguimos criar uma melhor relação com a história e com detalhes interessantes, como a montagem da sonorização original do primeiro tour televisionado da história da Casa Branca, com a recriação das cenas do documentário feitas para o filme.

Toda a ambientação do longa é soberba e em nenhum momento você deixa de acreditar que tudo aquilo é real. A reconstituição do assassinato de Kennedy, sob o olhar horrorizado de Jacqueline, é, ao mesmo tempo, delicada e impactante. Igualmente acertadas são as cenas envolvendo os filhos do casal em meio a algo ainda não compreensível e também a fotografia utilizada nas tomadas do velório e no enterro do presidente.

Em comparação com cinebiografias que mostram a vida inteira de seus retratados de maneira apressada e supérflua, “Jackie” se destaca por escolher mostrar um momento importante e destacado de sua protagonista. Concordando ou não com as escolhas narrativas de Larrain ou mesmo com a dificuldade de performance da atriz principal, é evidente a importância de uma obra que destaque a obstinação desta mulher comum, alçada à realeza em uma utópica Camelot moderna e sendo levada a lidar com a demolição de seus sonhos em meio a sangue e fragmentos de ossos.

Rogério Montanare
@rmontanare

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