Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 09 de fevereiro de 2015

O Destino de Júpiter (2015): a rendição dos Wachowskis

Em um filme sem ritmo ou rumo, os diretores de "Matrix" se mostram deveras perdidos e expõem de maneira explícita todos os seus vícios como cineastas em uma obra tecnicamente eficiente, mas abaixo do medíocre do ponto de vista narrativo.

imageParabéns aos Wachowskis. Não é todo dia que vemos cineastas resumirem em uma obra só todas as hipérboles negativas que parte da crítica (muitas vezes, de maneira maldosa) soltava sobre o seu corpo de trabalho. Com “O Destino de Júpiter”, escrito e dirigido por eles, a dupla entrega um longa exagerado, repleto de metáforas científico-religiosas que não chegam a lugar nenhum e a anos-luz de se mostrar remotamente divertido, justamente por se levar a sério demais.

O filme tem como foco a diarista Júpiter (Mila Kunis), que sonha com as estrelas e com uma vida melhor. Certo dia, a moça se vê caçada por matadores de aluguel alienígenas por ser a reencarnação de uma rainha extraterrestre, e herdeira de um vasto território que inclui a Terra. Presa no meio de uma briga de herança em escala galáctica, em um conflito familiar que inclui o insano Balem (Eddie Redmayne), o sedutor Titus (Douglas Booth) e a vaidosa Kalique (Tuppence Middleton), Júpiter só pode confiar no seu protetor, o caçador licantropo Caine (Channing Tatum).

É sabido que a produção teve sua parcela de problemas e refilmagens, com sua estreia, anteriormente programada para o meio de 2014, sendo adiada para fevereiro de 2015. No entanto, saber desses percalços não significa perdoar os pecados da fita. Se na trilogia “Matrix” e em “A Viagem” os cineastas tinham o que dizer (se o público gostou disso ou não, são outros quinhentos) e com “Speed Racer” eles entregaram uma homenagem lisérgica ao anime homônimo, este “O Destino de Júpiter” sofre de uma falta de rumo e propósito que tiram qualquer sentido da aventura.

As cenas de ação são ininteligíveis e não avançam a narrativa, parecendo existir apenas porque algum produtor ficou a gritar “MAIS EXPLOSÕES! MAIS PORRADA!” nos ouvidos dos Wachowskis, a narrativa é sem ritmo ou substância, com a trama literalmente parando a cada cinco minutos para submeter a audiência a intermináveis diálogos expositivos que não explicam muita coisa (depois da segunda leva de exposição, a própria Júpiter parece não mais ligar se entendeu alguma coisa ou não).

Nisso, ainda temos de ouvir os Wachowskis se congratulando por colocarem no filme, grandes e inteligentes referências, como o fato de que um piloto chamado Nesh tem um rosto que lembra um elefante – Ohhhhhhhh! Seria ele ou um de seus antepassados a origem de Ganesha, divindade da mitologia hindu?! Não se preocupe, pois NENHUMA explicação virá.

Além disso, temos de saudar os irmãos por terem colocado um herói chamado Caine, com DNA canino, que foi treinado por um mentor chamado Stinger (um desperdiçado Sean Bean), que tem DNA de abelha e cujo nome se refere a ferrões. Não esqueçamos também que a arma de Caine faz sons de latido quando disparada. Sério. Já a revelação surpreendente sobre o produto que fez a riqueza do clã Atraides, quer dizer, Abrasax, é tão previsível que os escritores de “No Mundo de 2020” devem ter se revirado…

Mesmo passando por essas lombadas, os Wachowskis escorregam feio no desenrolar do roteiro, esquecendo por completo da filha de Stinger em dado ponto da produção, mesmo com a menina sendo o ponto central da trama do pai, e tomam a decisão no mínimo questionável de parcelar as explicações – olha elas aí novamente – que Júpiter recebe do trio Kalique/Titus/Bale, levando a criação de cenas de ação que terminam basicamente do mesmo modo, com Caine resgatando Júpiter de algum deles, o que não só é repetitivo, como também enfraquece a moça.

A despeito de dar título à aventura e ser membro da realeza galáctica, Júpiter se mostra uma protagonista deveras passiva, aceitando a insanidade que acontece ao seu redor com uma facilidade assustadora. Mila Kunis pode demonstrar um carisma arrebatador quando provocada corretamente pelo diretor com quem trabalha, o que não acontece aqui.

A química entre ela e Channing Tatum é quase inexistente, com este último até que convencendo na fisicalidade de seu personagem, mas Caine jamais é bem explorado e seu temperamento, que é descrito várias vezes como explosivo por aqueles que o cercam, nunca é visto em cena ou usado dramaticamente pelo roteiro, com os diretores preferindo mostrar Tatum sem camisa a desenvolver o licantropo.

Para completar, Eddie Redmayne entrega um vilão que consegue ser mais patético que qualquer antagonista de “Power Rangers” já foi – e digo isso com todo o respeito aos pobres monstros de Alameda dos Anjos. Por mais talentoso que Remayne seja – vejam “A Teoria de Tudo” e confiram -, seu Balem é histirônico e cheio de tiques, com o ator se valendo de tantas muletas de interpretação que parece nem estar a se esforçar a compor um personagem.

O orçamento inchado da produção é perceptível na tela. A direção de arte, os figurinos, a maquiagem e os efeitos digitais são, de fato, deslumbrantes. A trilha sonora do sempre confiável Michael Giacchino é grandiosa e emocionante. Até alguns dos conceitos elaborados pelos Wachowskis são interessantes, como a explicação científica para reencarnação. Mas é uma pena que tudo isso esteja a serviço de um roteiro esburacado, repetitivo e que sai do nada para lugar nenhum.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

Compartilhe