Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 22 de agosto de 2014

A Pedra de Paciência (2012): a mulher por trás da burca

O diretor Atiq Rahimi nos revela a força da mulher em uma sociedade machista.

PP2O primeiro plano de “A Pedra de Paciência” mostra uma cortina azul com desenhos de pássaros, criando uma sensação de liberdade. Porém, o som de uma explosão quebra este momento e somos levados para a realidade, onde a protagonista, interpretada pela sempre bela Golshifteh Farahani (que já havia me encantado em “Frango com Ameixas”), cuida do marido (Hamid Djavadan) em coma. Uma tarefa que fortalece a prisão que é o casamento dela, contrastando com a sensação de liberdade no início.

O roteiro de Atiq Rahimi e Jean-Claude Carrière é um passeio de monólogos da protagonista, inserindo alguns personagens que participam de sua evolução. Essa evolução é a essência do filme, que no começo revela uma esposa não só presa ao marido, mas a sua crença e a cultura de uma sociedade machista. Assim, somos convidados a acompanhá-la em uma terapia que a levará para uma nova vida.

Ela, enquanto cuida do marido, começa várias sessões de terapia ao lado dele, contando todos os seus segredos, principalmente de como ele nunca foi presente como amante e tudo que precisou fazer para manter o casamento. É interessante ver que quanto mais ela conta e se torna independente, o marido vai sendo escondido (e esquecido) no próprio cenário. A fotografia de Thierry Arbogast se destaca principalmente nas cenas em que a esposa tem atitudes contrárias a sua religião, escurecendo o ambiente, para mostrar que, apesar de ela se sentir livre, aos olhos daquela sociedade é algo obscuro e errado.

Esta terapia não é algo fácil de acompanhar, pois o ritmo que o diretor Atiq Rahimi escolhe para desenvolver a história é lento e em certos momentos pode se tornar tedioso para um público acostumado aos blockbusters norte-americanos. Contudo, é uma escolha certeira que aumenta a angústia e solidão que a esposa vive.

O diretor também renega ao máximo inserir músicas para não cair no melodrama, investindo em sons ambientes, e aqui temos um ótimo trabalho da equipe de som que, intercalando com os monólogos, nos faz perceber o perigo da guerra ao redor da casa, com explosões e tiros que, mesmo soando distantes, sempre estão presentes.

No entanto, nem tudo soa perfeito e o roteiro mostra insegurança ao insistir em dizer o que já estamos vendo, por exemplo, vemos um portão reparado e a protagonista diz: “alguém reparou o portão”. Tem diálogos que são gratuitos só para evitar que o público não entenda o que a personagem está sentindo. Pior é quando a sua tia (Hassina Burgan) lhe conta a história da Pedra da Paciência, uma metáfora sem nenhuma sutileza que já entrega de bandeja o final do filme. Entretanto, esses tropeços são perdoados quando ouvimos uma frase inspirada como “aqueles que não sabem fazer amor, fazem a guerra”.

Outro ponto interessante do filme é que os personagens não recebem nomes, pois, naquela situação, eles não representem indivíduos, e sim uma maioria que tem os mesmos problemas. A protagonista representa todos os medos que uma mulher muçulmana pode ter, além de uma grande personalidade que espera ser revelada atrás da burca. E como não poderia deixar de ser, a principal atração é a atuação de Golshifteh Farahani. A atriz conduz bem a mudança de sua personagem, desde o medo que ela tem do marido até uma mulher dona de si.

“A Pedra de Paciência” retrata uma mulher que, por meio de sua força, pode ser dona de suas próprias escolhas, e assim alcançar a liberdade.

Guilherme Augusto
@

Compartilhe

Saiba mais sobre